A seguir o caminho escolhido pelo governo, país poderá cada vez menos garantir crescimento sustentável com inclusão social, frente ao crescimento das forças do atraso
Enquanto o país segue assistindo ao espetáculo de baixo nível do velório do ciclo político da Nova República, o tripé da política macroeconômica de austeridade adotado na crise do Plano Real, em 1999, segue inflexível no caminho sem volta da anorexia econômica. Simultaneamente, crescem as forças do atraso em defesa do retorno ao século 19, justificando o desfazimento das conquistas sociais da Constituição Federal de 1988 e da Era Vargas por meio de reformas trabalhista e previdenciária.
Diante da continuidade da crise capitalista de dimensão global, a insistência no tripé da política macroeconômica resulta somente no raquitismo nacional. Isso porque produz, por um lado, o atrelamento do controle da inflação à valorização cambial, forçando a conversão dos empresários industriais em comerciantes importadores.
Ocorre que para manter artificialmente valorizado o real como moeda nacional torna-se necessário fixar as taxas internas de juros no patamar mais elevado do mundo. Só dessa forma consegue atrair o pior tipo de capital internacional, que é o especulativo, em quantidade necessária para continuamente fechar a conta das transferências para o exterior sustentada por estímulos a importar, ao gasto com turismo externo e às demais despesas com serviços financeiros.
Por outro lado, o tripé macroeconômico aprisiona as finanças do Estado, sangrando o seu orçamento em nome do superávit fiscal para pagar a conta do endividamento público motivado por elevadíssimas taxas reais de juros. Assim, o ajuste fiscal passa a ser permanente, contando, quase sempre, com o corte de recursos como o investimento público e as despesas sociais por meio do contingenciamento e da Desvinculação das Receitas da União (DRU).
Sair responsavelmente do tripé macroeconômico pressupõe conformar maioria política concomitantemente com o estabelecimento de um novo horizonte para o Brasil; isto é, um país desenvolvido, justo, democrático e sustentável ambientalmente nas próximas duas próximas décadas (2017 – 2037).
Neste sentido, outra política antiinflacionária deveria ser definida, com a oferta de taxas de juros civilizadas, com a desindexação geral dos preços na economia, uma atuante legislação antimonopolização dos preços e uma nova política agropecuária de formação dos preços.
A inflação passaria a ser monitorada pelo núcleo dos preços do índice de custo de vida, passível de ser afetado pela taxa de juros.
A manutenção da desvalorização do real tornar-se-ia viável e compatível com uma agressiva política de substituição de importação e uso inteligente tanto do fundo soberano e reservas externas como dos recursos internacionais (IDE e Banco dos Brics).
No mesmo sentido, a realização de um acordo geral com as filiais das corporações transnacionais ao molde de JK da segunda metade da década de 1950, assim como a constituição de contribuição especial e temporária dos exportadores ao fundo de modernização da infraestrutura e dos novos vetores da integração nacional.
Para tanto, a constituição de grupos dirigentes paraestatais definiriam as bases do processo licitatório por meio de custos de mercado, prazos, monitoramento e liberação de pagamentos. A transparência constituiria a nova relação do Estado com o mercado.
Na esfera do setor público, a reforma do Estado e do orçamento público. De um lado, a instalação de trêsholdings do setor público estatal, uma no ramo da energia, outra no setor financeiro e a terceira, englobando a parte restante. O que não se encaixar no projeto estratégico de desenvolvimento passaria a ser ocupado fora do Estado.
De outro lado, a mudança no padrão de funcionamento da administração pública, com a instalação da gestão matricial e orçamento anual de base zero, a partir do monitoramento direto da população. O fundo solidário a ser constituído sobre a tributação progressiva dos ricos teria a finalidade do financiamento específico das políticas de inclusão social de segunda geração, ademais de produzir finanças saudáveis por meio do superávit maior no orçamento de Custeio do que o déficit no orçamento de Investimento.
Assim o Brasil poderia ir mais longe e com novo horizonte. Do contrário, pode cada vez menos, frente ao crescimento das forças do atraso.
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por Marcio Pochmann*
*Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho, ambos da Universidade Estadual de Campinas