09/03/2021 – Por Márcio Amêndola de Oliveira, especial para o Fato Expresso
Em decisão no pedido de Habeas Corpus impetrado pelo escritório do advogado Cristiano Zanin Martins, em 3 de novembro de 2020, no Processo 193.726, o ministro do STF, Edson Fachin anulou na segunda-feira, 8 de março, todos os atos da 13ª Vara Federal de Curitiba, relativos às condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nos casos do Tríplex do Guarujá, do Sítio de Atibaia (ambos com condenações já estabelecidas), e do caso do terreno doado ao Instituto Lula (que ainda estava em tramitação), ‘jogando fora’ todos os atos processuais praticados pelo juiz federal Sérgio Moro, e pelas investigações da chamada ‘Força-Tarefa’ da chamada Operação Lava-Jato, liderada pelo promotor Deltan Dallagnoll.
Na prática, Fachin tenta salvar os demais atos e condenações da Lava-Jato, isolando o caso Lula, entregando a uma vara Federal de Brasília os processos contra Lula, e devolvendo o ex-presidente ao jogo político de 2022, pois Lula teve os direitos políticos restaurados, já que volta, no mínimo à condição de réu primário. Na esteira da anulação dos atos processuais de Curitiba, Fachin ‘forneceu’ a Moro um álibi para escapar do processo de suspeição do ex-juiz e ex-ministro do governo Bolsonaro, que corria no STF e perdeu seu objeto.
A notícia caiu como uma bomba nos meios políticos, sociais e econômicos, e o presidente Jair Bolsonaro, em declarações – novamente – insanas, chamou o ministro Fachin de ‘petista’.
A DECISÃO
Em ato fundamentado em exatas 46 páginas, o ministro Edson Fachin, em decisão monocrática concedeu o Habeas Corpus a Lula, com a seguinte sentença: “Concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal”.
Porém, a decisão não inocenta o ex-presidente Lula, já que não entrou no mérito das apurações dos eventuais crimes, mas na nulidade processual por considerar a 13ª Vara Federal de Curitiba – ou seja, Sérgio Moro – incompetente para ter realizado os julgamentos e sentenças do caso. Assim, Fachin prossegue: “Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios”.
Isto significa que os processos agora terão de ser reavaliados e novamente julgados, por uma Vara Federal do Distrito Federal, em Brasília, o que pode ou não convalidar os atos praticados por Sérgio Moro. Mas isso é muito improvável, diante do chamado escândalo do Telegram, as mensagens reveladas pelo Intercept Brasil a partir das gravações de um Hacker, que mostrou a promiscuidade entre acusação e juízo de Curitiba, na tentativa de incriminar Lula a qualquer custo, antes que o ex-presidente pudesse participar do processo eleitoral de 2018, o que de fato ocorreu.
Fachin concordou com a tese da defesa de Lula, de que “não há correlação entre os desvios praticados na Petrobras e o custeio da construção do edifício ou das reformas realizadas no tal tríplex”, e que a Vara de Curitiba seria competente apenas para julgar eventuais desvios de fundos da Petrobras, o que não foi o caso.
Na decisão de conceder o Habeas Corpus a Lula, Fachin lembra de uma decisão do falecido ministro Teori Zavascki, que afirmava que “o tema da competência de foro não foi apreciado pela 2ª Turma do STF”, ou seja, a competência ou não de Curitiba em julgar e condenar Lula, e a eventual distribuição de seus processos a outra Vara Federal, nunca teria sido, de fato, lavada a voto na Segunda Turma, ou no Pleno do STF, o que reforça ainda mais a sua decisão monocrática neste momento.
Fachin afirma em um dos pontos de sua decisão, que era insustentável deixar todos os julgamentos de Lula em Curitiba, de forma forçada, sem ligação direta entre seus processos e a corrupção na Petrobras. Diz o magistrado: “As regras de competência, ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário”.
TSUNAMI EVITADO, POR ENQUANTO
Fachin previa a eventual aprovação da suspeição de Sérgio Moro na Segunda Turma da Corte, e seu ato monocrático, na prática, livra Moro dessa ‘condenação’, por assim dizer, e evita o ‘Tsunami’ da anulação em massa das centenas de condenações que Moro exarou em Curitiba. Além de Edson Fachin, compõem a 2ª Turma os ministros Gilmar Mendes (presidente), Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia, e o novato Nunes Marques.
Em nota à Imprensa, pouco depois da decisão de Fachin, a defesa de Lula afirmou: “A incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar as indevidas acusações formuladas contra o ex-presidente Lula foi por nós sustentada desde a primeira manifestação escrita que apresentamos nos processos, ainda em 2016. Durante mais de cinco anos percorremos todas as instâncias do Poder Judiciário para que fosse reconhecida a incompetência da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba para decidir sobre investigações ou sobre denúncias ofertadas pela ‘força tarefa’ de Curitiba. Também levamos em 2016 ao Comitê de Direitos Humanos da ONU a violação irreparável às garantias fundamentais do ex-presidente Lula, inclusive em virtude da inobservância do direito ao juiz natural, ou seja, o direito de todo cidadão de ser julgado por um juiz cuja competência seja definida previamente por lei e não pela escolha do próprio julgador”.
Mais adiante, afirma: “Nessa longa trajetória, a despeito de todas as provas de inocência que apresentamos, o ex-presidente Lula foi preso injustamente, teve os seus direitos políticos indevidamente retirados e seus bens bloqueados. Por isso, a decisão que hoje afirma a incompetência da Justiça Federal de Curitiba é o reconhecimento de que sempre estivemos corretos nessa longa batalha jurídica, na qual nunca tivemos que mudar nossos fundamentos para demonstrar a nulidade dos processos e a inocência do ex-presidente Lula. A decisão, portanto, está em sintonia com tudo o que sustentamos há mais de cinco anos na condução dos processos. Mas ela não tem o condão de reparar os danos irremediáveis causados pelo ex-juiz Sergio Moro e pelos procuradores da Lava Jato ao ex-presidente Lula, ao Sistema de Justiça e ao Estado Democrático de Direito”.
O XADREZ DA SUCESSÃO REABERTO
É preciso acompanhar o desenrolar dos acontecimentos nos próximos ‘episódios da novela’; por exemplo, os sinais do Planalto são contraditórios. Parte do staff do presidente Bolsonaro acredita que Lula é um oponente mais ‘fácil’ de enfrentar em 2022, já que seria o atual modelo liberal de direita contra o ‘radicalismo’ de esquerda. Porém a bandeira da anticorrupção, por exemplo, encampada por setores radicais que apoiaram o atual ocupante do palácio do Planalto, está manchada por denúncia contra Bolsonaro e seus filhos, como no mais recente caso, da compra de uma mansão de R$ 6 milhões pelo seu filho senador, Flávio Bolsonaro. Já os militares se mostraram profundamente irritados com a decisão de Fachin, e hoje são a força que ainda sustenta Bolsonaro precariamente no Planalto.
Outros sinais vêm sendo notados, como a declaração do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que venceu com o apoio de Bolsonaro e, no entanto, acaba de afirmar: “Minha maior dúvida é se a decisão monocrática (de Fachin) foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer absolvição. Moro, jamais”. Lira aponta para duas situações: não quer saber de Moro, agora, ou em 2022. Também, como bom nordestino, vê que o apoio popular a Lula em seu Estado, e em todo o Nordeste, ainda é extremamente forte, como pesquisas vêm demonstrando, inclusive recentemente.
É o velho pragmatismo do Centrão, lembrando que o deputado Eduardo Cunha, que era da bancada governista no governo de Dilma Rousseff, quando na mesma presidência da Câmara, mudou de lado e liderou o ‘Golpe de 2016’. Aparentemente, não custa nada a Lira desempenhar semelhante papel, ainda mais com os índices de popularidade de Bolsonaro estarem despencando, por conta de seus arroubos verborrágicos, incompetência administrativa e péssimo gerenciamento da crise da pandemia do Coronavírus.
Pelo que se vê, vale o ditado: “o mesmo pau que bate no Chico, bate no Francisco”. É esperar para ver.
ACESSE A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO MINISTRO DO SFT, LUIZ EDSON FACHIN (CLIQUE AQUI!)