A taxa de desmatamento ilegal em áreas de mineração aumentou mais de 90% na Amazônia entre 2017 e 2020, revela artigo escrito por pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP e publicado na revista Mudança Ambiental Regional. De acordo com o trabalho, o avanço da mineração clandestina, especialmente de ouro, além de desmatar áreas de floresta que não são recuperadas, contamina os rios próximos, afeta a vida aquática e causa riscos à saúde das comunidades ribeirinhas e populações indígenas. Os pesquisadores recomendam o rastreio da produção mineral por meio de certificação, ações locais e nacionais para controle do desmatamento, e alertam para os riscos da simplificação da legislação ambiental.
“O artigo procura entender tendências de avanço no desmatamento da mineração nos últimos anos, analisando tanto as taxas anuais em áreas de mineração industrial como alertas anuais de desmatamento resultantes de mineração ilegal”, conta a pesquisadora Juliana Siqueira-Gay, uma das autoras do artigo. O trabalho é parte de uma pesquisa de doutorado que busca investigar os impactos da mineração das florestas. “Os motivos que influenciam no aumento da mineração ilegal, principalmente de ouro, vão desde fatores globais, como a demanda global pelo metal, a fatores locais, como incentivos para expansão das atividades garimpeiras.”
O artigo aponta que a taxa de desmatamento ilegal cresceu mais de 90% de 2017 a 2020, atingindo mais de 100 quilômetros quadrados (km²) no ano de 2020 em comparação com 52 km² em 2017. “A mineração ilegal opera sem compromissos ou regulações ambientais, portanto, não há responsabilização pelos danos causados por essas atividades. O desmatamento e degradação florestal resultantes dessas atividades ocorrem desenfreadamente, sem qualquer comprometimento com a recuperação das áreas afetadas”, relata Juliana. “Além da perda de floresta em si, corpos d’água são contaminados, afetando a vida aquática e ameaçando a saúde de comunidades ribeirinhas e povos indígenas que vivem nas proximidades dessas áreas.”
De acordo com a pesquisadora, para a implantação e operação de projetos de mineração industrial são necessárias licenças ambientais, para as quais são elaborados estudos e são propostas medidas mitigadoras para os impactos significativos. “Dessa forma, busca-se evitar, minimizar e compensar os impactos resultantes dessas atividades”, relata. As licenças são emitidas pelo órgão ambiental responsável que faz o acompanhamento do processo de licenciamento”, relata.
Legislação ambiental
“Atualmente há uma tendência de simplificação da legislação ambiental que vai justamente na contramão de todas as necessidades atuais de devida avaliação das consequências ambientais dos projetos”, alerta Juliana. “A discussão no Congresso do Projeto de Lei 3729, que propõe o fim do licenciamento ambiental, é uma das tentativas de extinguir um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente.”
O artigo propõe dois caminhos para o controle do desmatamento decorrente da mineração ilegal, explica a pesquisadora. “Primeiramente, evidenciamos a necessidade de rastreamento do ouro por meio de esquemas de certificação. A rastreabilidade permite que a origem do ouro seja certificada e apenas ouro produzido de forma lícita seja comercializado”, destaca. “Assim, a pressão de compradores para consumo de produtos que tenham sido produzidos de acordo com padrões sociais e ambientais tem potencial de minimizar e coibir o comércio de ouro originado de garimpos ilegais.”
Além das iniciativas relacionadas especificamente ao comércio de ouro, estratégias locais e nacionais para controle do desmatamento precisam ser fortalecidas. “Estas estratégias, como a criação e manejo de áreas protegidas bem como criação e implementação de instrumentos regulatórios, têm papel fundamental para controle do desmatamento na Amazônia”, conclui a pesquisadora.
Juliana relata que, embora o artigo trate da Amazônia brasileira como um todo, para a pesquisa de doutorado houve visitas em área ameaçada pela mineração ilegal na região do Jari, nos Estados do Amapá e do Pará. “Apesar dos locais de mineração visitados não estarem ativos, o Jari é uma região com altíssimos valores de biodiversidade e com diversas áreas protegidas que permanecem ameaçadas caso a mineração avance na região”, afirma.
O artigo foi elaborado por Juliana Siqueira-Gay, doutoranda do Programa de Pós-Graduação de Engenharia Mineral da Poli, com supervisão do professor Luis Enrique Sánchez, do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo da Poli.
**Por Júlio Bernardes / Jornal da USP