O Parlamento francês aprovou em Outubro uma reforma trabalhista, como vem acontecendo em alguns países da Europa. Sindicatos, trabalhadores e estudantes foram às ruas protestar contra a lei que aumenta a idade mínima para a aposentadoria de 60 para 62 anos, entre outros pontos menos polêmicos. Será um aumento gradual, entre Julho de 2011 e Julho de 2018, num processo parecido com o da Itália, que aumentou para 65 anos a idade mínima para se aposentar. A medida, segundo os respectivos governos, serve para proteger as contas futuras dos órgãos de previdência. Em ambos os países as greves e passeatas serviram apenas para demonstrar a insatisfação com tais medidas.
Segundo um estudo do instituto de estatística francês, um terço da população terá mais de 60 anos em 2060 e o número de pessoas centenárias passará de 15 mil para 200 mil. Esta informação é útil para compreender os argumentos dos governos europeus. O cálculo da expectativa de vida avalia a situação real, de hoje, considerando a idade média no momento do óbito de cada habitante, criando uma base de dados estatísticos. Porém, a estatística é uma coisa engraçada, pois ela diz que se entrarmos nós dois em uma pizzaria e eu comer duas pizzas e o leitor nenhuma, teremos consumido uma pizza por cabeça, mas o seu estômago continuará vazio.
Um fator a ser considerado é a expectativa de vida dos novos habitantes, em função das melhorias de vida e das novas descobertas da medicina. Quem nasceu hoje – em um país do primeiro mundo – deverá ter uma expectativa de vida superior a quem nasceu há sessenta anos. Portanto, deverá ter uma vida ativa por um período também superior ao de quem já está no mercado de trabalho.
Esse é o ponto chave para entender a conta da previdência pública europeia: Se um cidadão começa a trabalhar aos 20 anos e contribui para a previdência por quarenta anos é justo que espere ser sustentado quando parar de trabalhar por, no mínimo, outros quarenta anos (se viver até lá). Mas a máquina da previdência deve fazer as contas também com hospitais, tratamentos, remédios, profissionais da saúde, auxílio maternidade e outras despesas, reservando apenas uma pequena parte do que foi recolhido do contribuinte para a aposentadoria. Desse modo, se a expectativa de vida aumenta, o período de contribuição deve acompanhar esse aumento, ou não haverá dinheiro para cobrir todas as necessidades da previdência pública.
As aposentadorias mais baixas pagas na Itália estão em torno de 420 euros, para contribuintes com salário líquido de 900 euros, quando na ativa. A pergunta inevitável: como sobreviver com menos da metade do dinheiro que se recebia antes? O ideal é haver uma aposentadoria privada complementar, à qual poucos podem se permitir.
No outro extremo da vida profissional, os jovens estão conscientes de que as oportunidades diminuem, pois as aposentadorias adiadas retardam a entrada deles no mercado de trabalho, e fica mais difícil encontrar um trabalho regular “a tempo indeterminado”. Como a maioria dos países europeus possuem uma legislação trabalhista antiga, fruto de conquistas dos sindicatos (conquistas importantes, que permitiram inserir as classes mais humildes no rol dos consumidores), na prática é quase impossível demitir um funcionário, mesmo os mais improdutivos.
Há cerca de quinze anos, compreendendo a dificuldade em aumentar a produtividade e competitividade das empresas, a UE regulamentou a abertura das agências de trabalho temporário, subterfúgio muito utilizado pelas empresas europeias desde a regulamentação das agências. Isso significa não haver vínculos com a empresa para a qual se trabalha e poder ser dispensado a qualquer momento. Muitos jovens – e menos jovens também – trabalham em diversas empresas por alguns meses ou mesmo por apenas alguns dias, sem jamais ter um emprego seguro, ou “a tempo determinado”, como estavam acostumados seus pais e avós.
Os governos europeus decidiram que, em nome da competitividade, acabou o tempo do assistencialismo. Cada um deve se preocupar em inventar o próprio trabalho e com a própria aposentadoria. Tudo faz crer que a reforma trabalhista que vem acontecendo com maior ou menor impacto em cada país europeu é somente o anúncio de uma reforma mas ampla, na qual o emprego fixo será somente uma lembrança remota.
Como os salários não acompanham os aumentos de preços, e os sindicatos começam a perder o poder de manobra e conquistas diante das empresas que, ao menor sinal de dificuldade transferem suas atividades para países com mão de obra menos cara, as classes operárias vão, aos poucos, deixando de ser consumidoras para voltarem a ser apenas sobreviventes.
(Allan Robert P. J. – correspondente na Itália para o Fato Expresso)
Allan, não tenho muito a acrescentar, o texto está perfeito!
A nova aposentadoria vem acompanhar o novo perfil da população e aqui no Brasil podemos contar com um bônus demográfico de 20 anos – nesta fase, se o governo não administrar bem o déficit da Previdência, ao esgotar o bônus, a população economicamente inativa por ser em grande número, fará esgotar também a garantia de pagamento de benefícios.
O povo gosta de resultados imediados, o que não acontece com na reforma da Previdência, por isso a necessidade de regras para este período de transição.
Veja que as manifestações já diminuíram bastante!
Luma,
O assistencialismo tem um preço alto, mas não oferecer serviço sanitário e condições econômicas mínimas a quem nada possui é desumano. Como o governo não é um ente em si, com verbas caídas do céu, quem paga a conta somos todos nós. Resta a saber quem não está disposto a dividir um pouco do que possui a quem necessita.
Infelizmente não há uma solução fácil.