** Allan Robert P.J.
Todo Fim de Ano em Piacenza é a mesma coisa: algum convidado para a ceia brasileira, que eles consideram exótica, alguns pratos comuns a ambas as culturas, como a lentilha, uva e romã; um passeio na praça antes da meia-noite para escutar um pouco de música em temperaturas abaixo de zero e depois voltamos para casa, para abrir o champagne.
Depois da meia-noite a praça se transforma. Uma multidão de bêbados empanturrados saem dos bares e restaurantes lotados para ir quebrar garrafas no chão da praça, transformando-a em um ambiente brilhante e perigoso, numa tradição que as prefeituras não conseguem abater. Mas no calor de casa, brindamos com todas as luzes acesas, trocamos votos de feliz ano novo e nos sentamos para terminar a sobremesa ou alguma iguaria preparada para a ocasião.
Enquanto conversamos, as meninas deixam a tv ligada, em algum daqueles programas de fim-de-ano e o que se ouve é “zazoeira… zazoeira”, “tê-tê, tê-têretê, tê-tê…” e por meia hora só tocam música brasileira de outros carnavais e Jorge Ben (da época em que ainda se chamava Jorge Ben).
Meu italiano é quase perfeito, mas o sotaque não nega a raça. Como a língua italiana desconhece o som anasalado de “ã” ou “an”, experimente dizer Grana Padano ou Bianca com todos os “as” abertos: gráná pádáno e Biáncá. Alguns pensam que sou genovês, onde o sotaque é parecido com a minha pronúncia, mas os poucos que percebem que sou estrangeiro, perguntam: “De onde?” O sorriso mágico e imediato provocado pela resposta “Rio de Janeiro – Brasil” chega a emocionar.
Existe uma ligação química que faz com que os italianos se sintam atraídos pelos brasileiros (na maioria dos casos, dos italianos pelas brasileiras) e que sempre ajudamos a vender através das imagens que exportamos: no Carnaval, com as mulatas semi-nuas rebolando para as câmeras; nas fotos nas agências de turismo mostrando praias belíssimas e mulatas semi-nuas; nos bares das cidades turísticas onde as mulatas semi-nuas se oferecem em sorrisos e olhares aos turistas [se você nunca esteve no Casquinha de Siri ou no Barravento, em Salvador, com certeza terá um outro exemplo na ponta da língua]. Ou seja, o Brasil é samba, Carnaval, praia, festa, mulher ‘fácil’ e bonita, lugares cinematográficos que custam pouco, comida boa e barata, onde tudo se resolve com “um jeitinho”. Enfim, é o paraíso.
Alguns estereótipos incomodam, mas com a tempo – ou com tratamento de choque, se necessário – eles acabam compreendendo que cada ser humano é diferente dos demais. Na Itália é melhor ser brasileiro que albanês, por exemplo. Um albanês jamais será bem recebido como um brasileiro. Talvez por ressentimentos da ex-colônia ou por divergências culturais, os albaneses custam a ganhar a confiança dos italianos. Arriscaria a dizer que os brasileiros são mais bem aceitos que qualquer outro estrangeiro, mesmo entre os vizinhos europeus.
Portanto, se você vier à Itália a passeio, não se preocupe: você será bem tratado como qualquer turista, desde que esqueça a ingenuidade no check-in do aeroporto. Mas se estiver de mudança, deixe claro desde a sua chegada, a sua origem. Não se esqueça de trazer na bagagem um plano B, um tratamento de choque. Você pode precisar.
E traga muita música brasileira recente. Quem sabe conseguimos convencê-los a atualizar o repertório das Festas.
Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.