O jornalista Davide Giacalone culpou o desfecho da decisão brasileira à péssima imagem que o mundo tem da Itália e à falência do sistema judiciário italiano. Segundo Giacalone, falar contra Battisti e contra a decisão de Lula está na moda
*Por Allan Robert P. J.
A reação italiana sobre o desfecho do caso Battisti era esperada. Não só alguns expoentes do governo se manifestaram de forma veemente, como também a mídia italiana deu grande destaque e incentivou manifestações contra a decisão de Lula de dar asilo a Cesare Battisti. “Absurda”, “irresponsável” e “inaceitável” são os termos mais usados pela imprensa e políticos italianos.
Desde o dia 1º de Janeiro as tvs e rádios italianas transmitem qualquer declaração de políticos descontentes com a decisão brasileira. Entre tantas reações, o jornalista Enrico Mentana, diretor de jornalismo da rede de tv “La 7” (a antiga Tele Montecarlo) chegou a sugerir a suspensão das relações comerciais com o Brasil e a demissão de brasileiros famosos – na maioria, jogadores de futebol – das respectivas funções. Os jornais impressos, que só voltaram às bancas no dia 2, estamparam nas primeiras páginas palavras indignadas e declarações de políticos ofendidos.
Curiosamente, ao Ministro do Exterior, Franco Frattini, faltou diplomacia. Frattini ameaça recorrer à Corte de Haia e declarou que “não é o momento para ratificar acordos”, referindo-se ao acordo firmado entre Lula e o primeiro-ministro Silvio Berlusconi em agosto passado, que prevê o fornecimento de equipamentos militares italianos ao Brasil por um valor aproximado de cinco bilhões de Euros. Frattini e o Ministro da Defesa Ignazio La Russa tornaram-se os porta-vozes do orgulho ferido italiano. La Russa declarou em uma entrevista coletiva que não mais irá ao Brasil e convidou o povo italiano a fazer o mesmo, em um tom visivelmente alterado, como é o seu costume. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi, cautelosamente, tem deixado o trabalho sujo aos seus ministros, afirmando que as relações entre os dois países não mudará.
Péssima imagem da Itália
Mas nem todas as reações foram indignadas. O jornalista Davide Giacalone, através da rádio RTL, preferiu dar a culpa do desfecho esperado à péssima imagem que o mundo tem da Itália e à falência do sistema judiciário italiano. Segundo Giacalone, falar contra Battisti e contra a decisão de Lula está na moda. O jornalista lembrou que existem outros ex-ativistas italianos que vivem fora sem problemas, como Giorgio Pietrostefani, co-fundador do movimento clandestino “Lotta Armata”, condenado a 22 anos como mandante do homicídio do comissário de polícia Luigi Calabresi, ocorrido em 17 de Maio de 1972. Pietrostefani tornou-se escritor e vive na França. Os poucos parlamentares que reconheceram como soberana a decisão brasileira foram ignorados.
Um protesto diante da embaixada do Brasil em Roma, na Piazza Navona, programado para o dia 4 e amplamente divulgado pelos meios de comunicação, obteve uma escassa participação de civis, mas muitos políticos diante das câmaras de tv.
A situação de Battisti na Itália
O calor dos acontecimentos acabou gerando reações teatrais. Poucos entenderam a diferença entre a extradição e o asilo. A extradição é uma ato judicial e não foi negada pelo STF. A concessão de asilo é uma decisão política, e pressupõe um exame não apenas da situação da pessoa (como acontece na decisão da extradição), mas também das condições do país do qual o requerente solicita ser protegido. Para debater o aspecto do asilo (ou refúgio), é preciso entender que a situação de Battisti na Itália não foi completamente esclarecida.
Foragido, Battisti foi condenado à revelia a prisão perpétua pelo assassinato de 4 pessoas. As únicas provas contra ele foram as declarações de seus ex-companheiros que obtiveram redução da pena em troca. Dos quatro crimes, dois aconteceram em Milão, no mesmo dia e hora; um terceiro ocorreu em Mestre, a 270 quilômetros de Milão, no mesmo dia e em horário próximo aos outros dois. Segundo as leis da física, seria impossível Battisti estar em três lugares ao mesmo tempo.
Inicialmente Battisti seria julgado como o autor material dos crimes (aquele que aperta o gatilho), mas no caso do agente de polícia carcerária Antonio Santoro, algumas provas que surgiram durante o processo do ex-companheiro Pietro Mutti, um dos seus acusadores, teriam obrigado Mutti a admitir ter sido ele próprio o autor do crime, mudando a versão do seu depoimento. Battisti foi então condenado por ter dado cobertura armada ao crime. Assim como no homicídio do açougueiro Lino Sabbadin, que, sempre através da deposição do “arrependido” Mutti, Battisti passou de autor material a cobertura armada, depois que Diego Giacomin confessou ter assassinado o açougueiro com a participação de Mutti. No homicídio do joalheiro Pierluigi Torregiani, Battisti passou de autor a co-idealizador e co-organizador, para evitar que a acusação tivesse que afrontar o argumento de que ele estaria cobrindo os outros dois crimes na mesma hora. A morte de um outro agente de polícia, Andrea Campagna foi atribuída a Battisti, apesar de ter um réu confesso, Giuseppe Memeo, que, segundo uma testemunha, teria um cúmplice, loiro e com 1,90 metros de altura, o que contrasta com o cabelo escuro e a baixa estatura de Battisti.
A justiça italiana sempre negou um novo julgamento a Cesare Battisti. Os advogados que cuidavam do caso foram presos no início do processo e um novo advogado mostrou documentos assinados por Battisti dando-lhe procuração para defendê-lo. Battisti, da França, negou a existência de tais documentos. Exames grafológicos deixaram dúvidas sobre a autenticidade das assinaturas e sugeriram que os documentos poderiam ter sido escritos dez anos depois de terem sido assinados: as assinaturas eram idênticas às da época em que Battisti teria fugido para a França, mas diferentes de como se apresentava a assinatura dele na data em que teriam sido escritos os documentos; assinar papéis em branco e deixar com os advogados era uma praxe dos ativistas na época.
Futuro incerto
A opinião pública italiana vem sendo estimulada a condenar a decisão brasileira e a reagir. Existem muitas dúvidas sobre o processo contra Battisti e a sensação de que a Itália esteja em busca de um bode expiatório leva a reflexões não ligadas ao caso. Os executores dos crimes a que Battisti foi condenado cumpriram oito anos de prisão, mas a honra italiana exige que Battisti cumpra a prisão perpétua. Os cárceres italianos estão lotados; a praxe é reduzir o tempo da pena dos acusados de crimes comuns, desde que o caso não tenha ido parar na imprensa nacional. Se Cesare Battisti terminasse em uma prisão italiana, se transformaria em um símbolo, e os símbolos são intocáveis.
É provável que o jornalista Giacalone tenha razão: o caso Battisti é uma moda que passará com o próximo escândalo político. A Itália pouco fez nos dez anos em que Battisti viveu na França, protegido pela Doutrina Mitterrand, que dava asilo político aos ex-ativistas italianos que decidissem depor as armas. A validade do julgamento de Battisti sempre foi contestada pela França, mas a pressão italiana nos últimos anos a obrigou a um novo processo de extradição, infringindo o direito do réu de não ser julgado mais de uma vez pelo mesmo crime. Battisti foi condenado na Itália à prisão perpétua com privação da luz solar, pena que não existe no Brasil e que, portanto, deverá ser comutada em 30 anos, em caso de extradição. A Itália reagiria de modo diferente? Convém lembrar o caso Cacciola? A decisão volta ao STF, mas o adiamento da solução ameaça a cordialidade nas relações entre Brasil e Itália.
Ao ex-presidente Lula fica a sugestão a evitar pizzas, e à Dona Marisa a não usufruir do passaporte italiano recebido.
(*Allan Robert P. J. – correspondente na Itália para o Fato Expresso)
Plinio Marcos,
A justiça nem sempre atua no prazo esperado. O importante é fazer a coisa certa e acreditar que a espera vale a pena.
Helion,
Confesso que o equilíbrio é a parte mais difícil, assim como a eloquência é uma conquista que vem com o tempo. Li alguns dos textos sugeridos e achei muito interessante o grupo de pesquisa. Parabéns!
Maderfranio,
O caso Cacciola não foi divulgado pela imprensa italiana. O povo italiano desconhece esse episódio.
quando a italia escondeu o ladrao do cacciola
nao vi nenhum italiano entregando ele pro brasil
Allan, como sempre gosto de ler você. Parabéns pelo texto, bem informativo e equilibrado.
Na lista de notícias que coordeno, sobre migrações, já saíram alguns seleções de artigos da imprensa brasileira e italiana sobre o tema. Se tiver interesse, é em http://br.groups.yahoo.com/group/niem_rj/. Basta procurar pela palavra “Battisti” que encontrará bastante material dos últimos 3 anos.
um abraço e buon anno.
Prezados,
Apresento do Documento “Denuncia NOVA Prevaricação do STF”, http://www.scribd.com/doc/46317181/Denuncia-NOVA-Prevaricacao-do-STF , onde estamos denunciando o Plenário do Supremo Tribunal Federal por crime de prevaricação, bem como, o Advogado geral da união por crime de abuso de poder, frente aos acontecimentos ocorridos quando da avaliação da extradição de Cesare Battisti solicitada pelo governo italiano.
Abraços,
Plínio Marcos