Na carteira de identidade ele é Reginaldo Ferreira da Silva, mas todos o chamam de Ferréz, homenagem dele a outro Ferreira – o Virgulino, conhecido como Lampião – e a Zumbi dos Palmares, de quem tirou o Z.
O artista partiu do rap, tornou-se escritor e compartilha a própria fama com o lugar onde mora, o Capão Redondo.
Situado na Zona Sul paulistana, o bairro inspirou Capão Pecado e nunca mais foi o mesmo depois que o livro, escrito na linguagem da periferia, esgotou a tiragem em menos de um mês.
Ativista cultural, ele fundou a 1 da Sul, grife de moda apoiada nos artistas locais. Suas iniciativas transformaram o Capão em pólo cultural: saraus de poesia, bibliotecas, palestras em escolas, um selo editorial e outro para CDs de rap e uma revista – Literatura Marginal –, premiada pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), estão entre as realizações que surgiram de seu trabalho com a “molecada” do bairro, como gosta de dizer.
Premiado na literatura, Ferréz passou a ser consultado sobre educação, violência policial, desigualdade social, racismo.
Em 2005, foi convidado pelo PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – para participar do relatório da ONU. No mesmo ano, recebeu o prêmio Zumbi dos Palmares, da Assembleia Legislativa de São Paulo. Confira a entrevista que ele concedeu à repórter Juliana Torres.
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Brasil Atual – Você se define como um artista, ou como um artista da periferia de São Paulo, da Zona Sul?
Ferréz: Um artista? Como assim? As pessoas se definem assim quando fazem algo artístico, no seu caso, escrevem… É, eu estou mais para autista. Tem essa letra diferente aí do “r” para o “u”. Eu acho que sou bem mais autista porque tenho vontade de construir um mundo próprio bem melhor.
Brasil Atual – Que tipo de influência você traz para as crianças e adolescentes do Capão Redondo?
Ferréz: Acho que é positiva. Acabei virando uma espécie de exemplo. As mães passam por mim com os filhos e dizem “olha, você tem que estudar, pra ficar inteligente assim”.Brasil Atual – Como você avalia a polêmica do livro Capão Pecado, indicado como leitura para estudantes da escola pública?
Ferréz: Alguns estados proibiram: Bahia, Minas Gerais. Algumas pessoas não entendem o propósito, né? Parece que as crianças precisam ler a Disney.
Brasil Atual – O rap ainda tem a mesma importância pra você?
Ferréz: Todo escritor tem que ter uma escola de linguagem, e a minha escola de linguagem é o rap, que me ensina gíria. Eu me considero do hip-hop também. Tem vários escritores que também tiveram movimento na música. Eu sou um cara que precisa disso, dessa música. E o rap é uma música mais real.
Brasil Atual – E o Instituto 1 da Sul?
Ferréz: Estamos montando um instituto para o ano que vem. A gente já tem projetos sociais há muito tempo, e tivemos essa ideia do instituto. O que a gente quer com o instituto é poder apresentar o bairro de uma forma legal, né? Estamos terminando de fazer o estatuto, tem muita gente legal.
Brasil Atual – Você tem algum parceiro neste projeto?
Ferréz: Tem o pessoal da Atitude Brasil, tem muita gente ajudando a gente, o próprio Alexandre de Maio também. E vários empresários aqui da região que querem que o bairro melhore junto com a gente.
Brasil Atual – Você está escrevendo um livro novo e uma revista em quadrinhos. Pode falar um pouco sobre isso?
Ferréz: Estou escrevendo há seis anos esse livro novo, que se chama Deus foi Almoçar. Já deu muito trabalho, mas vou lançar este ano. A revista em quadrinhos, em parceria com o Alexandre de Maio, já tem vários anos que a gente está fazendo. Agora já é uma revista com mais de 150 páginas e a gente está entrando em contato com as editoras para publicar. A revista se chama Mil Fitas. Tem um lado criminal, mas fala bastante do lado humano dos caras, o lado problemático, de solidão também.
Brasil Atual – Como foi o lançamento de seus livros em países como Portugal, França e Espanha?
Ferréz: É a nossa história. É a prova de que as pessoas se interessam pelo nosso convívio. Enquanto as pessoas aqui nos censuram, outras querem saber um pouco da nossa história.
Livros
1997 – Fortaleza da Desilusão
2000 – Capão Pecado, publicado em Portugal
2003 – Manual Prático do Ódio, publicado na Espanha, em Portugal e na Itália
2005 – Amanhecer Esmeralda – infantil
2005 – Literatura Marginal – organizador
2006 – Ninguém é Inocente em São Paulo – Indicado ao prêmio Jabuti e finalista do prêmio Portugal Telecom
(Por: Juliana Torres, Rede Brasil Atual)