*** Por Allan Robert P. J.
Quando Marco Polo trouxe a novidade do macarrão da China para a Itália, certamente não esperava que aquela novidade fizesse tanto sucesso. Os italianos estavam habituados a comer porcos, peixes, javalís e outras caças; frutas, pão e vegetais. Até a cenoura precisou de uma boa ajuda para convencer e ser consumida, quando todos acreditavam fosse venenosa.
Tempos depois outras iguarias chegaram das longínquas Américas, entre elas, batatas e tomates. Pela facilidade de germinação e resistência, as batatas foram rapidamente incorporadas aos hábitos alimentares de toda a Europa, substituindo outros dois vegetais muito comuns até hoje, a cebola e a beterraba, que possui uma variedade branca de onde se extrai o açucar e o álcool europeu. Mas o tomate… Ah, o tomate! Esse deu trabalho! O fruto não resistia às longas viagens e reagia mal ao clima e a água salgada do mar. Deveria ser jogado aos peixes muito antes de aportar, por medo dos fungos e do cheiro ácido da putrefação. As primeiras sementes só chegariam secas e as experiências iniciais, com as sementes impregnadas de sal, não obtiveram êxito.
A planta era tão difícil de ser reproduzida, seus frutos tão pequenos e raros, que logo recebeu o nome de “pomo de ouro ”, ou “pomo d’oro ”, em italiano.
Depois de meter a mão na massa, os napolitanos inventaram a pizza Margherita. Comida de pobre dedicada a uma rainha resumia-se a um disco de massa fermentada naturalmente, com farinha, água e sal; um pouco do queijo produzido nas próprias casas, umas folhas de manjericão e tomate. Mas tudo de forma muito econômica. A pizza italiana mantém a característica espartana ainda nos dias de hoje. O importante é a massa e um suave sabor dos outros ingredientes. Experimente fazer uma pizza tamanho grande com cinquenta gramas de presunto e você irá entender o que significa pobreza.
Assim como nós aprimoramos o morno futebol inglês e soubemos orquestrar os diversos ritmos e músicas que os estrangeiros nos trouxeram para criar uma música “genuína” brasileira, os italianos souberam desenvolver o nosso velho tomate. Já contei vinte e oito tipos diferentes, cada um com uma característica e sabor próprio; cada um indicado para um uso diferente. O San Marzano, por exemplo, é um fruto alongado e com muita polpa, ideal para molhos. O Cerejinha (cigliegino) ou de Pacchino (se diz pakíno) é pequeno como uma cereja e muito saboroso; se usa para saladas ou ligeiramente refogado com massas. O Coração de Boi (cuore di bue) se parece com uma imensa pitanga, com o umbigo saltado pra fora; é o mais caro. Mas o meu preferido é o Riviera, que quando atinge o vermelho intenso e perde o verde rajado que caracteriza o fruto, já não serve mais para salada. Tem, inclusive, um tomate sardo, que eles juram existir desde sempre na Sardenha.
A laranja europeia é uma fruta de inverno. Necessita da primavera e do verão para se formar e só estará pronta para consumo no início do período frio. A colheita deve ser feita antes da neve e as frutas armazenadas em câmaras frigoríficas para serem comercializadas durante toda a estação fria. Nem sequer admitem balas ou doces sabor laranja fora daquele período. Já o tomate, o pomodoro, tem um tipo adaptado para cada estação. Um, não: vários.
É difícil para um italiano acreditar que o tomate não é um fruto “nostrano ”, termo utilizado para designar tudo que é genuinamente italiano – vem de nostro (nosso, em italiano). Da mesma forma que um brasileiro tem dificuldades em acreditar que o coqueiro não é uma planta das Américas. Os italianos acreditam que a Sicília é o berço de todos os vegetais consumidos por aqui e juram (juram!) que até mesmo as frutas cítricas têm suas origens na famosa ilha, e não no Oriente, como afirmam os estudiosos.
[Mozzarella de búfala cortada em rodelas, tomate idem. Deposite em um prato as rodelas de tomate e cubra cada uma com uma rodela de mozzarella. Adicione umas folhinhas de manjericão e um fio de azeite extra virgem, sem sal. A insalata caprese é ideal para dias quentes e certamente antecipará um macarrão com frutos do mar e tomate cerejinha. Durante a refeição, vinho branco ou verdicchio. Para terminar, salada de frutas (macedonia) com um moscato e um café, porque café brasileiro feito por italiano é inimitável. A grappa é muito quente para esses dias e vai substituída por um gelado limoncino, licor de limão em moda há alguns anos. O limone europeu é muito diferente do nosso (que eles chamam de lime). Tem a casca grossa de um amarelo claro. É maior, sua forma se assemelha a um kibe e o sabor me lembra suco gástrico.]
Futebol, laranja, macarrão, música, tomate e café. Se é para melhorar a vida, porque não abrir mão de velhas tradições e adotar como genuínos hábitos e produtos alheios? Basta adaptar aos costumes locais e aproveitar. Já me vejo à sombra de um coqueiro importado numa praia da Sardenha, lendo sobre como a batata salvou da fome muitos países do Leste Europeu, tomando caipirinha com limão europeu e açúcar de beterraba. Curtindo um sambinha italiano.
Marco Polo iria adorar!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.