** Por Márcio Amêndola
Passamos por um momento crítico no sentido de que, cada vez mais, temos cada vez menos diversidade de pensamento e mobilidade de opinião e informação. Ao ligar a TV, factóides disfarçados de notícias massacram nossos olhos e ouvidos, repetidos ad-nauseam por telejornais cada vez mais parecidos entre si. Como uma manada desembestada todos vão à cata do mesmo fato bizarro, da mesma notícia trágica, espetacularizando ao máximo cada detalhe, cada gesto, cada gota de sangue. Um exemplo pornográfico desta ‘nova mídia’ foi o caso do assassino de Realengo (aquele ‘extremista’ que matou crianças na escola). Este triste episódio já suscitou a criação, por Veja (a revista mais sacana deste País atualmente) de outro ‘factóide’, o dos radicais islâmicos que estariam recrutando malucos no Brasil. Esta é –infelizmente – a característica ‘hegemônica’ do pensamento da grande mídia brasileira, seja ela escrita ou eletrônica: redução brutal da notícia, simplificação, pasteurização e adaptação de tudo aos propósitos nada nobres dos barões da comunicação.
De outro lado, temos a expansão do pensamento único na política. Em minha cidade sinto uma grande evolução nos últimos anos, no que se refere a políticas públicas mais voltadas à questão social, avanços enormes em Educação, Saúde, Segurança, entre outros temas relevantes, em relação a governos anteriores. Porém, a irritante busca de um consenso, de 100% de apoio e aprovação, o solapamento dos que discordam ou simplesmente manifestam sua contrariedade a certos tipos de opções desenvolvimentistas nada ecológicas ou que desrespeitem a diversidade cultural, são fatos realmente inquietantes, ou mesmo assustadores.
Encontrando ao acaso grandes amigos que no momento permanecem em isolamento político e cultural por discordarem de certas políticas de turismo e cultura; recebi uma enorme reprimenda de um deles, extremamente exaltado, que aos brados, implorava para que minha voz não se colocasse contra certas práticas do governo do qual participo, ao menos como membro do partido que chegou ao poder em 2001 e permanece no comando da cidade até hoje. Um dos problemas que percebo é a forte atração pelo poder de praticamente TODOS os segmentos sociais e políticos. Como uma grande arca de Noé, todos são bem-vindos à única Barca disponível, diferentemente do Auto de Gil Vicente, onde havia barcas distintas para os bons e os maus, na famosa obra “Auto da Barca do Inferno”. Na inexistência de duas embarcações, demônios e anjos acabam por permanecer lado a lado, inviabilizando a solução moral para qualquer fábula, que dirá na dura e crua realidade em que vivemos.
Sinto que se confunde hoje facilmente democracia como opressão de uma maioria (muitas vezes construída artificialmente, por essas idiossincrasias do poder político) sobre a minoria, quando, na verdade, o preceito Constitucional prevê e defende a proteção às minorias, a seus direitos, cultura, opinião. Exemplifico: recentemente uma reportagem excelente de uma colega de profissão sobre um grave problema em minha cidade, o excessivo número de aterros autorizados (mais de 30 de que tenho alguma informação), seja pelo Município, seja pelo órgão estadual (a Cetesb), foi rapidamente retirada do ar, poucos minutos após sua publicação, por exigência de algum ‘agente’ que parece monitorar como um sabujo, tudo o que a imprensa publica acerca do governo, e até mesmo o que se comenta pelas esquinas. E o entulho de toda a Grande São Paulo continua a viajar pra minha pobre cidade e, a continuar assim, estas belas montanhas correm o risco de se transformarem numa imensa planície de terra e entulho. Até já prevejo qual sabujo vai correr à mesa do poder local pra ‘denunciar’ estas mal traçadas linhas, a abanar o rabinho ao chefe.
Impossível não me lembrar da imensa gafe do nosso ‘querido’ embaixador Rubens Ricúpero, ex-ministro do governo FHC, que por sinal de antena parabólica foi ‘traído’ pelas lentes de nossa vetusta Rede Globo, ao afirmar pornograficamente o que todo governo almeja, mas não confessa, seja de esquerda ou de direita: “O que é bom a gente fatura, o que é ruim, esconde” (Veja o vídeo). Não seria mais fácil, honesto e democrático deixar a opinião pública se manifestar, apresentar defesa, exigir direito de resposta, do que tentar (com eficiência, diga-se, em minha cidade) evitar a crítica, esconder os fatos negativos?
Volto à imagem de meu amigo tão querido, indignado com o pensamento único que se espalhou por estas bandas. Quando relatei a um colega governista convicto (tipo torcida do Flamengo), este logo vociferou: “Este cara não tem moral pra nos atacar, tá pensando em seus próprios interesses, foi secretário de um governo passado, quer voltar ao poder, já roubou!”, etc e tal. Não creio que meu amigo seja esta pessoa descrita. Acho que desqualificar o adversário é uma das formas mais baixas de resposta, uma não-resposta. “Quer ocultar seus defeitos ou decisões erradas e injustas? Desqualifique seu opositor, acabe com sua moral, sua reputação, mas não responda nada do que ele tenha questionado! Simplesmente finja que não é com você, camarada!” Sabujos² do poder espalham-se pelos corredores da burocracia. Puxa-sacos de plantão permanecem à espreita pra demonstrarem alguma influência e, quem sabe, participar do butim³.
Espero mais de meu partido, de meu governo, embora reconheça os imensos avanços conquistados. Levar os trabalhadores ao poder, para mim, é um meio de levar direitos a todos e todas, e não apenas uma forma de trocar um grupo por outro. Levar todo mundo ao poder, além de uma impossibilidade, esconde uma quimera de enfiar tudo e todos num único balaio. Buscar metodicamente os críticos para anulá-los ou cooptá-los é uma irritante forma de opressão, uma ‘hegemonia’ às avessas, uma unanimidade burra. Decididamente, os ‘nobres’ fins não justificam os meios.
VEJA O VÍDEO COMPLETO DE RICÚPERO:
**Márcio Amêndola de Oliveira é Graduando em História pela Universidade de São Paulo (USP) (contextohistorico.blog.terra.com.br); Coordenador de Documentação e Memória do Instituto Zequinha Barreto (zequinhabarreto.org.br); Assessor de Comunicação da Câmara de Embu [cmembu.sp.gov.br]; Diretor do Site (www.fatoexpresso.com.br)
Vc acompanhou a cobertuda do GLOBO sobre o caso de Realengo. Ficou bem bacana!