Todos os anos uma caravana de briosos machos italianos atravessa o Atlântico em busca da atenção das meninas das periferias latino-americanas. As respectivas namoradas, companheiras, esposas e amantes fazem vista grossa e participam do jogo freqüentando obscuros terminais de ônibus, permitindo aos gentis e atenciosos representantes da África negra de arredondarem os minguados salários. Nem todos aprovam o exercício de hipocrisia, mas a coisa tem funcionado bem há anos e ninguém vê motivos para mudar.
O fisco italiano descobriu que aquela senhora de quarenta anos jamais havia apresentado declaração de imposto de renda, apesar de possuir seis apartamentos no centro de Milão, o que constitui uma pequena fortuna. Fez as contas e mandou-lhe duas faturas de uma de noventa e oito mil euros cada, relativas a dois anos de sonegação. Informou que o débito dos outros anos seriam contabilizados mais adiante.
O advogado contratado pela contribuinte (ou deveria ser não-contribuinte?) juntou velhos anúncios de jornais e revistas, além dos recibos de aluguel de uma linha telefônica – a mesma linha que aparecia nos anúncios – e entrou na justiça pedindo a irregularidade da cobrança, alegando que a sua cliente ganhava a vida como prostituta desde que fugira de casa, no sul do país, com apenas dezessete anos. Mais: informou que com uma idade inadequada para continuar na profissão, a sua cliente possui como única renda o aluguel de cinco dos apartamentos, dos quais teria que se desfazer para fazer frente à cobrança.
O fisco riu. Rebateu que a lei italiana permite taxar inclusive ganhos com ações ilícitas. A coisa virou simples questão judiciária aguardando o parecer dos juízes da suprema corte.
Na sentença dos juízes percebe-se o mesmo empenho e atenção que a senhora ofereceu aos clientes durante mais de vinte anos. A sentença esclarece que a lei italiana proíbe o incentivo e exploração, mas não a prostituição em si. Portanto, prostituição não é crime. Mas também não é atividade regulamentada.
Os senhores juízes, percebendo a armadilha em que haviam caído, evitaram dizer que a prostituição não existe aos olhos da Lei (o que sugere que pelo menos alguns deles tiveram a oportunidade de conhecer essa realidade pessoalmente). Sentenciaram que o débito com o fisco inexiste, pois a compra dos imóveis teria sido efetuado com o pagamento que a senhora recebia como prostituta. E que tal pagamento seria o ressarcimento por danos físicos e morais causados durante o ato sexual. A senhora riu. Seus apartamentos continuam sendo seus e o fisco que vá lamber sabão.
Uma silenciosa corrida deve estar acontecendo neste momento: milhares de prostitutas (e falsas prostitutas) virão à tona declarar bens adquiridos com o suor dos próprios clientes. O fisco também deve estar correndo para evitar uma avalanche de causas que o impeçam de taxar tais bens. Aposto que a regulamentação da profissão – que já existe em outros países – dessa vez sai.
Cedo ou tarde os governantes da América Latina vão acabar descobrindo o fluxo do turismo sexual e a coisa pode acabar numa taxa de ingresso a italianos desacompanhados. Mas terão que convencer os países asiáticos a fazer o mesmo, pois a concorrência deles é dura. Talvez não seja ético, mas a alternativa é a atual hipocrisia e governantes não costumam dar bola para a ética.
Fica somente uma dúvida no caso de Milão: a decisão teria sido a mesma, caso o não-contribuinte fosse um dos gentis africanos? Creio que não.
O advogado da senhora fez questão de declarar ter sido pago com um cheque, mas há quem duvide.
Acesse outros artigos do Allan, aqui!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.