Qual Embu das Artes que queremos?
*Viviane Neres
Por um lado temos os artistas que criaram e ainda criam esta cidade. E até hoje, brotam artistas pelo ar das lutas que respiramos, atual e historicamente. Por outro lado vivemos como todo cidadão embuense, que luta pelos seus direitos de cidadão. E que necessita de políticas públicas voltadas ao respeito à humanidade. Assim, vivemos à mercê das migalhas do assistencialismo cultural e social. Ao jogar as migalhas, o assistencialista assiste a disputa dos esmigalhados, que são disputadas a tapas ainda.
Somos todos artistas e precisamos fazer malabares todos os dias, e mesmo sem ser palhaços, sonhamos com um mundo melhor. O artista por sua vez é um palhaço, da alegria que encanta o povo e com arte e amor percebe que pode ser diferente. A sociedade civil e os artistas organizados ou não, precisa encontrar e lutar por políticas públicas voltadas à transformação social e cultural em nossa cidade como um todo.
Os incentivos públicos existentes, sempre foram e sempre serão frutos de nossa luta. Precisamos debater de verdade qual o Embu que queremos, em uma cidade onde a arte é apenas a maquiagem do que queremos; hoje como mortos vivos, lutamos para que a nossa cidade possa ter o orgulho de se chamar Embu das Artes.
Embu que já é terra das artes terá a oportunidade de exercer a “democracia através de um plebiscito proposto pelo governo com forma de reconhecimento das artes”, e no Embu que já é das Artes, o cidadão que não teve a oportunidade de conhecer a história da cidade, fica se perguntando: Para quê votar sim ou não, que democracia quer que eu exerça? “se todas as propostas de inclusão e participação ficam só no campo simbólico”.
O cidadão é excluído e depois incluído, e depois excluído e incluído de novo, num falso ‘verdadeiro’. A gente diz que sim, o sistema diz que não; é um matando o outro pra ganhar o pão e assim a gente vai levando esse mundão. Assim canta Geraldo Magela, artista popular da região.
Durante a vida toda, os artistas de Embu, terra das Artes, conquistada por nós, sentem-na no suor de sua pele. Pagamos e ainda estamos pagando com a própria vida as dificuldades de se viver em uma terra onde todos os incentivos cedidos pelo governo na área artística não são diferentes do atendimento que o mesmo artista cidadão sofre ao precisar de um posto de saúde ou de qualquer órgão público. Só nós trabalhadores da arte ou de qualquer outra profissão podemos entender o quanto é difícil viver das sobras e das migalhas que nos são oferecidas todos os dias como se fossem banquetes. Só nós percebemos o quanto tudo isso é dissimulado. Mas a nossa realidade é realidade real.
Não podemos acreditar em um plebiscito sem um debate amplo com a sociedade civil e os artistas que são os responsáveis pela conquista dessa tão adorada terra das artes, que vem em seguida com a falta de respeito com a nossa sociedade.
No dia 1º de maio os trabalhadores serão obrigados a escolher o sim ou o não. Seja como for, o debate precisa caminhar para qual Embu queremos, o Embu que já é das artes com arte, e sem políticas públicas voltadas para o cidadão, e o Embu que sempre será das artes historicamente. Lutaremos independente do sim ou do não.
O protagonismo da sociedade nas lutas que dizem respeito à sociedade precisa ser respeitado. E que todos nós tenhamos direitos nela, pois ainda continuamos sendo dominados pela minoria, mesmo tendo simbolicamente o partido dos trabalhadores no poder. Continuamos sendo oprimidos quando nos empurram goela abaixo sem nem ter tempo de pensar e digerir e arrotar o sim ou o não.
(*Viviane Neres – Artista e cidadã)
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Embu das Artes é maior que nossas diferenças
*Márcio Amêndola
Cidadãos de todos os matizes políticos – inclusive representantes do governo municipal de Embu – propuseram em 2010 a realização de um Plebiscito para que os cidadãos digam se querem ou não alterar o nome da cidade para “Embu das Artes”. O objetivo do movimento é claro: dar reconhecimento oficial em nossa ‘certidão de nascimento’, desta característica fundamental da presença da arte em nossa comunidade, desde tempos ancestrais.
Embu nasceu ‘M’Boy’, uma vila jesuítica criada ainda no século XVI (dizem algumas versões, de que teríamos surgido em 1554, mais precisamente em 18 de julho), que mais tarde recebeu a construção de uma capela em homenagem a Nossa Senhora do Rosário, nossa padroeira. Por estas bandas, jesuítas como Belchior de Pontes e o padre Macaré realizaram e incentivaram a arte produzida pelos indígenas locais. É certo que os aborígenes foram induzidos – muitas vezes com o uso da força – a adotarem os valores cristãos, coisa que se viu em todo o território do Novo Mundo. Mas, durante este processo, a escultura em madeira, a pintura de cunho religioso, estamparam há mais de 300 anos nosso atual Museu dos Jesuítas, monumento tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e estudado até por Lúcio Costa, um dos artífices da construção de Brasília, nossa Capital.
Durante este período, torna-se tradicional nossa ‘sobrevivente’ festa de Santa Cruz, ressignificada durante a vida do Mestre Tadakiyo Sakai e seu grupo, integrando-a às nossas festas artísticas e populares de forma definitiva. Hoje, Tônia de Embu é uma de nossas mais ferrenhas lutadoras pela preservação, tanto da festa de Santa Cruz, como da memória de Sakai.
Cria-se também, ainda no século XIX nossa Banda Municipal, que no século XX teve a direção de Antenor Carlos Vaz, artista múltiplo, que também pintava e participava de nossos primeiros Salões de Artes Plásticas, iniciados por estas bandas em 1964.
Já pelos anos 1920 vem para esta cidade um artista fundamental para nossa gênese como ‘terra das artes’, Cássio da Rocha Matos, ou simplesmente Cássio M’Boy, nome que adotou ao aqui estabelecer-se. Pintor e escultor de grande trânsito nas artes de São Paulo, trouxe para cá as atenções de artistas como Tarsila do Amaral, Rebolo Gonzales, Cândido Portinari, Di Cavalcanti, que hoje são homenageados com nomes de ruas de um bairro de nossa cidade. Cássio incentivou a vinda de outros artistas para Embu, como Sakai (1957) e o mestre Claudionor Assis Dias, o Assis do Embu, que nos inícios dos anos 1960 também arrastou para cá todo o Grupo Solano Trindade.
A filha de Solano, Raquel Trindade mantém hoje o Teatro Popular Solano Trindade, onde toda a sua família e agregados das artes, mantêm viva a continuidade deste trabalho de preservação das tradições afro-brasileiras, através do maracatu, do lundu, do jongo e tantos outros ritmos que fazem parte de nossa identidade cultural e social.
Para cá acorreram artistas e artesãos descontentes com o espaço na Praça da República, na cidade de São Paulo, que fundaram em 1969 nossa já tradicional Feira de Artes e Artesanato, mas também vieram artistas de todo o mundo, argentinos, uruguaios, paraguaios, chilenos, peruanos, alemães, franceses, italianos, gregos, entre tantos outros, além de brasileiros de todos os Estados, do Sul, Sudeste, Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Assim recebemos Panayotis (Grego), Sakai (japonês), Assis (mineiro), Solano (pernambucano), os irmãos Caetano (mineiros), Aurino Bomfim (carioca), Azteca (mexicana), Cabrera (argentino), Ana Moysés (paulista, de Catanduva), Joel Câmara (paulistano), Mestre Gama (mineiro) Jozan (paulista, de Nhandeara), Yvette Lietard (belga), Ester Robacov (romena), Miguel Potiguá (potiguar), Gaíga (taboanense), Walde-Mar (paulista, de Timburi), Gileno Bahia (baiano), Rivelini (paulistano), Ciuffi (mineiro), Gonda (paulistano), Nakajima (japonês), Mendel (paulista, de Dois Córregos), Mário Ramos (paulista, de Jacareí), Jofe (mineiro), Jaime Mendoza (peruano), Ray (mineiro), Rony Baroncelli (paulistano), Ávila (uruguaio), Hugo Gonzales (argentino), Zé Figueiredo (português), além dos ‘nativos’, como Tônia, Clóvis Gomes e tantos outros.
No momento em que teremos um Plebiscito para decidir se nossa cidade continua sendo somente Embu, ou passa a ser Embu das Artes, deixo as vicissitudes da política de lado, as críticas do campo institucional para depois, as mágoas de grupos para trás, pois o que está em jogo aqui não é uma disputa menor, mesquinha, mas se vamos ou não prestar um tributo àqueles que fizeram desta uma verdadeira ‘Terra das Artes’, àqueles que enviaram nosso nome além das fronteiras até do Brasil e do Continente, produzindo nossa marca indelével, que nos diferencia da maioria das localidades deste País.
Por tudo isso, creio que Embu, independente de quaisquer apropriações mesquinhas desta luta, merece ter seu nome inscrito da forma correta, como já deveria ser há mais de 50, 100, 300 anos. Esta é, sempre foi e será Embu das Artes, a terra que escolhi para viver e criar meus filhos, por isso direi sim no dia 1º de maio, em homenagem a todos os trabalhadores das artes que por aqui passaram, estão e ainda passarão.
(*Márcio Amêndola é Jornalista, editor do Fato Expresso Online, estudante de História – USP, Coordenador de Documentação Histórica do Instituto Zequinha Barreto, entre outras atividades)
Embu das Artes é maior que nossas diferenças