Nova Lei da Prisão Preventiva deve soltar milhares de presos que ainda não foram julgados. Quase todos os políticos e funcionários públicos de Taboão da Serra presos desde maio podem ser beneficiados com a nova lei, que vale para quem já está na cadeia
A nova Lei da Prisão Preventiva, que entra em vigor nesta segunda-feira (4/7), deve resultar na liberação, em todo o país, de milhares de presos que ainda não foram julgados. Deverão ser beneficiados presos não reincidentes que cometeram crimes leves, puníveis com menos de quatro anos de reclusão. Em tais casos, a prisão poderá ser substituída por medidas como pagamento de fiança e monitoramento eletrônico.
O caso dos mais de 20 presos em Taboão na ‘Operação Cleptocracia’ pode se enquadrar neste novo padrão, já que a maioria dos presos – entre os quais três secretários municipais e quatro vereadores – é composta por réus primários, com bons antecedentes, e os crimes de corrupção e formação de quadrilha são modalidades beneficiadas pela nova legislação.
A população carcerária do país, hoje, está em torno de 496 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Justiça. Em 37% dos casos – ou seja, para 183 mil presos – ainda não houve julgamento e não se pode garantir que sejam culpados.
Soltura depende da ação de advogados
“Quer dizer que esses presos provisórios vão ser soltos na segunda-feira? Não. O que a lei diz é que o advogado pode alegar a aplicação de medidas cautelares para o preso. A regra é: o processo você sempre aguarda em liberdade”, explica o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira.
De acordo com o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Walter Nunes, a lei não vai gerar sensação de impunidade. “Não se pode dizer que a lei vai trazer impunidade, porque prisão preventiva não é para punir. É uma medida excepcional, aplicada antes de uma pessoa ser considerada culpada”.
De acordo com Nunes, hoje é mais benéfico ser condenado por um crime leve do que existir a suspeita de que ele foi cometido. “Desde a Constituição de 1988, uma pessoa condenada a menos de quatro anos dificilmente ficará presa. Serão aplicadas outras medidas restritivas de direitos e o regime aberto”, explica.
O procurador Eugênio Pacelli, que foi relator da comissão responsável pelo projeto de lei do novo Código de Processo Penal, no entanto, teme que a liberação dos acusados cause sensação de insegurança na sociedade. Entretanto, ele acredita que mais inseguro ainda é deixar essas pessoas presas, convivendo com criminosos experientes.
“Há uma ilusão na sociedade: as pessoas acham que a prisão garante o sossego e a segurança de todo mundo, mas, muitas vezes, a prisão é que produz o próximo problema. Você colocar uma pessoa que não tem histórico nenhum presa é algo muito complicado, pois a prisão é um ambiente de violência, e isso afeta as pessoas”, diz Pacelli. O procurador lembra que, com a nova lei, não haverá alteração no tratamento de crimes mais graves, como homicídio ou estupro.
Para o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), a lei veio a corrigir uma generalização da prisão preventiva. Ele ressalta que hoje, em vez de se apurar primeiro para, depois, prender, já com culpa formada, passou-se para um “campo de justiçamento”, em que se prende de forma generalizada. “Daí a superlotação das penitenciárias e das cadeias públicas”, diz o ministro.
Ele também acredita que a nova lei ajudará a evitar que inocentes fiquem presos indevidamente. “Liberdade não é algo que é passível de devolução. Se houve uma prisão indevida, vamos responsabilizar o Estado?”, pergunta o ministro.
Taboão
No dia 29 de junho todos os presos na segunda fase da ‘Operação Cleptocracia’ em Taboão foram transferidos para o presídio de Tremembé, no interior paulista, após novas derrotas na tentativa de soltura em decisão de segunda instância. No mês passado o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o STF (Supremo Tribunal Federal) já tinham rejeitado o relaxamento das prisões dos envolvidos na corrupção em Taboão da Serra. Agora todos os homens permanecem presos em Tremembé. As três mulheres taboanenses presas permanecem na cadeia de Embu-Guaçu.
Tudo começou em 14 de março de 2011 quando a Conam (Consultoria em Administração Municipal), que presta serviços à administração municipal de que estaria havendo uma ‘sangria’ nos registros da Dívida Ativa do ISS e IPTU municipais, em prejuízo aos cofres públicos. A prefeitura instalou um dispositivo de controle nos computadores dos funcionários responsáveis pelo lançamento dos impostos, pegando em flagrante o servidor Márcio Renato Carra no dia 18 de março, quando ele foi preso por Guardas Civis Municipais. Entre os dias 3 e 4 de maio, mais de dez pessoas foram presas, entre as quais vereadores e funcionários públicos municipais. Finalmente, na madrugada do dia 6 de junho, mais 14 pessoas foram presas, entre as quais um vereador e três secretários municipais, todos suspeitos de envolvimento no maior caso de corrupção registrado na história de Taboão da Serra, cujos prejuízos aos cofres públicos municipais podem estar orçados em até R$ 100 milhões.
No transcorrer das investigações, a Câmara Municipal de Taboão da Serra criou uma CPI (Comissão de Inquérito) e o relator, vereador Paulo Félix (PSDB), ex-líder do governo na Câmara já chegou a citar o possível impeachment (cassação) do prefeito Dr. Evilásio Cavalcante de Farias (PSB), como antecipou o Fato Expresso em reportagem anterior. Nas últimas semanas, centenas de populares tem realizado manifestações em frente à Prefeitura e à Câmara exigindo a punição dos culpados pela corrupção em Taboão, inclusive partidos de esquerda, associações de moradores e sindicatos, entre os quais a APEOESP (Associação dos Professores do Ensino Oficial).
Entre os mais de 20 presos, quatro são vereadores e três secretários municipais de Taboão da Serra no turbilhão de corrupção apurada pela Delegacia Seccional da cidade. Veja os nomes dos presos ou com mandados de prisão expedidos até o momento:
Vereadores
- Arnaldo Clemente dos Santos (PSB) vereador, é o atual vice-presidente da Mesa da Câmara, e obteve 2.293 votos nas eleições e está em seu primeiro mandato (preso no dia 3 de maio)
- Carlos Alberto Aparecido de Andrade (PV) vereador, é o atual segundo-secretário da Mesa da Câmara e conquistou 2.634 votos nas eleições, estando em seu segundo mandato (preso no dia 3 de maio)
- José Luiz Elói (PMDB), vereador, é ex-presidente da Câmara Municipal (2009-2010), e obteve 3.858 votos nas eleições de 2008, tendo sido o campeão de votos na cidade, vindo de várias reeleições como vereador que é, em quinto mandato consecutivo, há mais de 18 anos; seu primeiro mandato ocorreu a partir de 1993 (preso no dia 3 de maio)
- Natalino José Soares (PP), vereador já com vários mandatos, na última eleição conquistou 2.879 votos, sendo o quarto mais votado da cidade (preso no dia 6 de junho)
Secretários Municipais
- Antonio Roberto Valadão, Secretário Municipal de Finanças (preso no dia 6 de junho)
- Luiz Antonio de Lima, Secretário Municipal de Administração (preso no dia 6 de junho)
- Maruzan Corado Oliveira, Secretário Municipal de Planejamento e ex-Secretário de Finanças (preso no dia 6 de junho)
Funcionários e ex-funcionários presos
- Bruno Bolfarini, ex-funcionário municipal, responsável pelos lançamentos da Dívida Ativa, foi demitido logo após a descoberta do esquema de corrupção, em março passado (preso no dia 4 de maio)
- Celso Vasconcellos, o Celsinho, ex-funcionário municipal e que agora seria um dos fornecedores de alimentos da prefeitura (preso no dia 4 de maio)
- Edgard Santos Damiani, assessor especial da Prefeitura e ex-secretário de Desenvolvimento (preso no dia 6 de junho)
- Erick Augusto Vaz, advogado da prefeitura (preso no dia 6 de junho por porte ilegal de arma e munições)
- João Gilberto Domingues da Paz, ex-funcionário público municipal (preso no dia 6 de junho)
- Joaquim Batista de Oliveira Neto, funcionário público municipal (preso no dia 6 de junho)
- Luiz Carlos Albuquerque Orlandino, funcionário público municipal, ex-vereador e ex-presidente da Câmara Municipal (preso no dia 6 de junho)
- Marcelo Marcelino Soares, assessor e sobrinho do vereador Natal (preso no dia 6 de junho)
- Márcio Parra, responsável pela alteração dos cadastros do IPTU (preso no dia 18 de março, foi o primeiro a cair)
- Milton Andrade, presidente do PV (Partido Verde) de Taboão da Serra, irmão do vereador Carlos Andrade (preso no dia 3 de maio)
- Tadeu Antônio, funcionário da fiscalização municipal (preso no dia 6 de junho)
- Tereza Letícia Rocha, ex-funcionária com acesso às senhas usadas para fraudar o IPTU (presa no dia 6 de junho)
- Turíbio Antonio Castilho, o Binho, ex-funcionário municipal, dirigia o Cadastro Municipal antes de ser demitido (preso no dia 4 de maio)
Empresário preso
- Clomar Zottis – Empresário do ramo imobiliário (preso no dia 6 de junho)
Procurados
- Acileide França da Cruz (Leda), funcionária pública municipal, coordenadora do ‘Atende’ da Prefeitura
- Alessandra Valentin da Silva, funcionária pública municipal
- Marcelo Pereira Cavalo, ex-funcionário público municipal
- Marcos Campinas Pimentel, ex-funcionário público municipal
- Rafael da Silva, ex-funcionário público municipal.
(Débora Zampier, Repórter da Agência Brasil / Colaborou Daniella Jinkings – Informações adicionais de Márcio Amêndola – Jornal Fato Expresso)