Allan Robert P. J.
Não venha para a Itália em agosto. Se você for obrigado, invente uma desculpa, transfira para fins de setembro ou para maio do próximo ano. Finja-se doente, mas não venha. Neste período Veneza cheira mal, Roma vira um forno e as pessoas enlouquecem. Um frenesi toma conta de todos. Cada habitante procura fazer algo de que possa se vangloriar quando todos voltarem das férias.
Depois de agosto vem setembro, que marca o fim do Verão e o início do Outono e do frio. Em Setembro vão-se embora os dias longos, as praias lotadas, a mania das rádios de tocarem incessantemente a mesma música e os preços absurdos. O Verão italiano é caracterizado por uma loucura coletiva, uma catarse geral que tem seu êxtase no dia 15 de agosto. Têm-se a impressão de que o mundo vai acabar. E, às vezes, acaba mesmo.
À exceção das cidades de praia, tudo fecha em Agosto. O salão da cabeleireira no térreo fechou e só reabre em Setembro. O centro de bronzeamento, também (seria inútil permanecer aberto). A cidade lembra um daqueles lugares fantasmas e até alguns supermercados fecham. O problema fica maior nos vilarejos espalhados pela província, onde a padaria é também o único mercado em quilômetros. A solução é programar as próprias férias com as do comerciante local. Somente as piscinas funcionam a todo vapor. A padaria, a farmácia, a banca de jornal e a tabacaria onde compro meus charutos não funcionarão na semana de 15 de Agosto. Pão congelado, livros, um estoque de charutos, duas caixas de band aid e uma de aspirina devem bastar.
Meu computador está bloqueado. Não leio e-mails, não navego na internet nem faço pesquisas com as meninas. Em compensação, elas também não podem descarregar horas de jogos (daqueles que bloqueiam computador, sabe?). O único técnico que ainda não viajou está trabalhando vinte e seis horas por dia. Ficou de consertar o meu na segunda passada, mas deve estar submerso num mar de cabos e bits. Terminará o verão milionário e irá morar num daqueles paraísos tropicais, onde nada fecha no verão.
Outra coisa que surpreende (e é mais um motivo para evitar a Itália neste período) é a quantidade de pernilongos que invadem o país no verão. Só incomodam menos que os borrachudos de Ilhabela. Um eletricista da Costa do Marfim, que trabalha com um italiano – que está de férias e deixou o africano tomando conta das emergências – me contava que quando sente muita saudade do seu país lembra do verão italiano. O calor sufocante e os pernilongos não o deixam esquecer do lado negativo da terra natal africana. E ele ainda tripudia: “Primeiro mundo? Mas se eles nem conseguiram acabar com os pernilongos…”
Por falar em eletricista, encontrar um que não esteja de férias neste período é como ganhar na loteria. Chaveiro, mecânico, encanador e pedreiro, também. Nas grandes cidades os preços cobrados por esses profissionais chegam às estrelas, mas a alternativa é ficar sem tomar banho, no escuro, do lado de fora e a pé. Como é comum denunciar abusos desse tipo, eles aprenderam a fazer jogo duro com o cliente, alegando não ter tempo pelo excesso de urgências. Esperam que o cliente ofereça uma quantia exorbitante e só então arranjam um tempinho, abrindo mão do almoço. O cliente, aliviado, paga com muita boa vontade e passa a contar com um anjo da guarda, que o salvará novamente no próximo verão. Só não entendi ainda como é que esse tipo de emergência acontece sempre nesse período.
Quando o calor aumenta, a rotina é: piscina de dia e montanha de noite. Até mesmo uma colina trezentos metros mais alta que a cidade já resolve. Sorvete, sempre. Sem a montanha (o que, neste país, é uma coisa rara), vale também uma cidade às margens de algum rio. Normalmente o vento nos vales torna a temperatura agradável.
Semana passada fui com um colega a Saluzzo, na região de Piemonte, visitar a filial da empresa. Construída à base dos Alpes (Alpi delle Cozzie), a cidade goza de um clima agradável nessa época. Como tudo tem um preço, jantamos bem, mas numa terça-feira de agosto, quando a maioria dos moradores viajou para a praia, tomamos a saideira no último bar aberto, às onze da noite, minutos antes de fechar. Desistimos de caminhar pelo centro. Convencidos pela chuva e vento frio a voltar para o hotel, descobrimos a enfadonha programação que domina a tv no verão. Na volta para casa, com milhares de carros viajando rumo às praias, o calor aumentando a cada quilômetro percorrido e o Angelo (meu companheiro de viagem) que ameaçava colocar o segundo CD do The Clash, achei que merecia uma cerveja. Paramos num daqueles postos de estrada lotado e lembrei-me de outra característica do verão italiano: cerveja quente.
Se não consegui convencer você a evitar a Itália no verão, então, venha. Provavelmente estarei de férias e com o celular desligado, ou muito mal-humorado. Não conte comigo. E lembre-se: agosto é longo (são trinta e um dias). Traga uma caixa de aspirinas e muita paciência. Aliás, traga duas caixas de aspirinas. Acabo de descobrir que a farmácia já fechou.
E agosto é longo.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.