A antologia de um poeta curitibano morto há 23 anos lidera há duas semanas a lista dos livros mais vendidos no Brasil. Pode parecer bastante improvável, mas soa absolutamente natural ao se saber que o escritor em questão é o cultuado Paulo Leminski, que acaba de ter toda a poesia reunida pela primeira vez numa única obra, pela editora Companhia das Letras. Tudo sob a atenção e o cuidado da poeta e viúva Alice Ruiz S. Pode-se apontar este fenômeno semelhante ao que aconteceu em 1966, com o lançamento de Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira. A diferença é que o poeta pernambucano, que cedo foi para o Rio de Janeiro, só morreria dois anos mais tarde.
A obra de Leminski parece caminhar na tênue linha que separa a poesia marginal, “beatnik”, da chamada geração mimeógrafo dos anos 70, com o eruditismo da poesia concreta de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, que o adotaram. Afinal, muitos poemas dele se valem dos efeitos visuais que obtêm quando as letras são espalhadas pelas páginas. Também flertava bastante com a música pop e mantinha relações estreitas com Rita Lee, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes e Itamar Assumpção, entre outros. Tanto que, para os dois últimos, é dedicado o livro Distraídos Venceremos, de 1987.
Quando era denominado marginal, tratava de responder “Marginal é quem escreve à margem, / deixando branca a página / para que a paisagem passe / e deixe tudo claro à sua passagem. / Marginal, escrever na entrelinha, / sem nunca saber direito / quem veio primeiro, / o ovo ou a galinha”. E parecia colocar um ponto final em outro poema, Razão de Ser: “Escrevo. E pronto. / Escrevo porque preciso, / preciso porque estou tonto. / Ninguém tem nada com isso. / Escrevo porque amanhece, / e as estrelas lá no céu / lembram letras no papel, / quando o poema me anoitece. / A aranha tece teias. / O peixe beija e morde o que vê./ Eu escrevo apenas. / Tem que ter por quê?”.
O livro reúne poemas dos livros Quarenta clics em curitiba (1976), caprichos & relaxos (1983), distraídos venceremos (1987), la vie em close (1991), o ex-estranho (1996), winterverno (2001) e textos esparsos. No final, há textos escritos por José Miguel Wisnik, Haroldo de Campos, Caetano Veloso, Leyla Perrone-Moisés, Wilson Bueno e Alice Ruiz S. Mas a convocação para a leitura da obra completa vem do próprio Leminski na epígrafe de caprichos & relaxos: “Aqui, poemas para lerem, em silêncio, / o olho, o coração e a inteligência. / Poemas para dizer, em voz alta. / Poemas, letras, lyrics, para cantar / Quais, quais, é com você, parceiro”.
Faixa preta em judô, Paulo Leminski ficou famoso também pelo seus haikais (formas poéticas curtas de origem japonesa, que valorizam a concisão e a objetividade): “Viver é super difícil / o mais fundo / está sempre na superfície”.
Impera em seus poemas um bom humor bastante característico: “Um dia desses quero ser / um grande poeta inglês / do século passado / dizer / ó céu ó mar ó clã ó destino / lutar na Índia em 1866 / e sumir num naufrágio clandestino”. E de exercício de metalinguagem, como em Desencontrários: “Mandei a palavra rimar, / ela não me obedeceu. / Falou em mar, em céu, em rosa, / em grego, em silêncio, em prosa. / Parecia fora de si, / a sílaba silenciosa. / Mandei a frase sonhar, / e ela se foi num labirinto. / Fazer poesia, eu sinto, apenas isso. / Dar ordens a um exército, / para conquistar um império extinto”.
Percorre a obra de Paulo Leminski uma espécie de autoanálise: “Quando eu tiver setenta anos / então vai acabar esta adolescência / vou largar da vida louca / e terminar minha livre-docência / vou fazer o que meu pai quer / começar a vida com passo perfeito / vou fazer o que minha mãe deseja / aproveitar as oportunidades / de virar um pilar da sociedade / e terminar meu curso de direito / então ver tudo em sã consciência / quando acabar esta adolescência”.
Leminski morreu com 44 anos, em 7 de junho de 1989, na capital paranaense, em razão da piora de uma cirrose hepática que o acometia há muitos anos. O epitáfio parecia vir em Para a Liberdade e Luta: “Me enterrem com os trotskistas / na cova comum dos idealistas / onde jazem aqueles / que o poder não corrompeu / me enterrem com meu coração / na beira do rio / onde o joelho ferido / tocou a pedra da paixão”. E em Lápide 1 – Epitáfio Para o Corpo: “Aqui jaz um grande poeta. / Nada deixou escrito. / Este silêncio, acredito, / são suas obras completas”.
Por: Guilherme Bryan, especial para a Rede Brasil Atual