Allan Robert P. J.
Nosso céu tem mais estrelas.
Dez de agosto é a noite de san Lorenzo, quando acontece o festival de estrelas cadentes. É uma das poucas ocasiões em que os italianos saem para observar um espetáculo grátis. Normalmente eles não dão muita bola para pores-do-Sol ou para a Lua, por exemplo. Talvez a exceção seja concedida por se tratar de um evento raro. E, talvez, porque poder participar de uma notte di san Lorenzo significava ter mais de dez anos, e esse era o sonho de todo escoteiro italiano. Qualquer que seja o verdadeiro motivo, é uma noite especial, quando é possível encontrar carros estacionados em meio aos campos do feno recém colhido, onde vozes adultas e infantis se misturam numa disputa de quem consegue ver mais estrelas com o estrilar de celulares. Nós não participamos da festa. Pelo menos não na tradicional noite: saímos para observar estrelas na noite do dia doze, que o calendário italiano me informa ser a noite de san Ercolano. Mas as estrelas estão sempre lá.
Aproveitamos o fim-de-semana prolongado (quinze de agosto é feriado na Itália) para não fazer nada. Não vamos a Riva del Garda; não vamos à praia; não visitamos o aquário de Gênova. Até o pic-nic nós cancelamos. Escolhemos fazer coisas simples, como ir à festa de Pigazzano, numa dessas noites, piscina, observar estrelas cadentes em Rivalta e comprar material escolar (acreditem, é uma maratona). O que me faz lembrar a propaganda do Momendol, pomada para dores nas costas: cada vez que vejo a propaganda do produto, não consigo deixar de associar os problemas de coluna dos italianos à mochila que eles carregam nos tempos de escola. Cheguei a comprar dois carrinhos para as meninas levarem o material escolar, mas elas preferiram não pagar esse mico. Usarão muito Momendol quando adultas.
Além das estrelas, sinto muita falta das nossas frutas. Onde hoje é o aeroporto do Galeão, no Rio, um dia foi o terreno de uma escola, onde enterrávamos sapoti para amadurecer e tostávamos castanha de caju em latas vazias. Onde comíamos marmelo e ingá (quantos tipos de ingá existem?). Subíamos na jaqueira e observávamos os inspetores da escola, que nos procuravam lá longe, nas goiabeiras. Aqui, ou você come a fruta na época certa, ou passa mais um ano sem vê-la. Bom, é verdade que eu me delicio com mirtilli (uma frutinha roxa de um arbusto rasteiro, com sabor próximo ao da jabuticaba), pêssegos de diversos tipos, percocca, que é um híbrido entre pêssego e damasco e que é usado na produção de pêssegos em calda, e algumas outras poucas frutas típicas desta estação. Mas fico sempre com uma sensação de monotonia.
Mas, de repente, eis que surge o frio. Estamos em pleno verão e somos surpreendidos por uma temperatura muito abaixo da média da estação. Eterno inconformista (às vezes, rabugento, mesmo), reclamo também do frio. A rotina foi improvisadamente jogada no lixo. Todos os nossos planos para os dias quentes e ensolarados, os passeios, a piscina: tudo cancelado. O primeiro impacto à mudança é a resistência. No verão, ar-condicionado; no inverno, aquecedor ligado. Mas experimente mudar o clima sem pré-aviso para ver o que acontece. Reclamamos. E no terceiro dia já estamos habituados. Creio até que esperamos essas mudanças bruscas pra quebrar a rotina e reclamar. Depois, tudo volta como antes.
Hoje, sapoti é um sabor perdido na minha infância, esquecido na cesta da minha memória, embaixo de pilhas de cajás, umbus, cajus, jacas e tantas outras frutas que vão cedendo espaço a pêssegos e mirtilli. Por mais que tudo mude, tudo continua me parecendo repetitivo, aumentando a minha rabugice. Talvez seja a falta do Cruzeiro do Sul, talvez a incapacidade de explicar um jatobá a um estrangeiro. Talvez seja só essa confusão de saber quem é o estrangeiro. Só sei que fiz um pedido à estrela cadente e nem assim a semente de maracujá doce vingou. Talvez seja esse frio…
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.