Allan Robert P. J.
Minhas filhas começaram a aprender a ler muito novas, a partir de três meses de idade. Através do livro “Como Ensinar Seu Bebê A Ler”, do doutor Glenn Doman (livro desaconselhável às grávidas), descobri que ler é uma função mais fácil que aprender a falar, pois exercita a mesma capacidade de interpretar símbolos, sem a necessidade de articular vocábulos. É o próprio Glenn Doman a informar a idade ideal para iniciar as lições. Não se trata de literatura. Portanto, espere uma primeira parte muito explicativa, que serve para informar ao leitor o processo que levou o Dr. Doman e sua equipe às conclusões sobre a capacidade de ler de recém-nascidos.
O mesmo livro, aqui na Itália, possui apenas metade do material da versão original e indica que a leitura deva ser iniciada aos três anos. Foi completamente modificado para que não restasse nenhuma dúvida sobre o momento correto para ensinar a criança a ler. Duvido que alguém da equipe do Dr. Doman tenha autorizado tal mutilação.
Os americanos compram o pé-de-moleque brasileiro que, para ser consumido na terra do Tio Sam, deve ser ligeiramente salgado. Em troca nos mandaram o Mac Donald, adaptando os sanduíches ao paladar brasileiro. Para serem degustados pelos italianos os famosos hambúrguers foram divididos em duas finas camadas, o que lhes permite atingir o ponto bem-passado do hábito local. Sal, nem pensar. Os diversos molhos que normalmente acompanham cada um dos sanduíches sofreram grandes adaptações, com pouquíssima cebola, nenhum alho e pouco condimento. Bem ao gosto do freguês. Como os salários da rede de fast food é o mais baixo da península, os balconistas costumam ser adolescentes na primeira experiência profissional, geralmente gordinhos e gordinhas que tiveram dificuldades em encontrar emprego em outras empresas. Parece um verdadeiro exército de consumidores de katchup com sanduíche, katchup com batata frita e katchup com katchup. Chega a ser uma anti-propaganda involuntária dos funcionários.
Nomes estrangeiros são um caso à parte. Para evitar a contaminação da raça e da cultura, Mussolini proibiu os nomes em outras línguas, hábito permanece até hoje. A família real inglesa é composta pela Rainha Elisabetta, Príncipe Filippo e Príncipe Carlo, o mesmo nome daquele outro estrangeiro famoso, Carlo Marx. Nosso Oscar Mão-Santa do basquete, foi rebatizado como Óscar. E não adianta discutir.
Anos atrás li um artigo que jogava areia na pizza italiana. Ela teria sido inventada na Grécia, e não na Itália. Não tive interesse em aprofundar-me no assunto e jamais comentei a matéria. Até fiz questão de esquecer o nome do historiador que fazia tal afirmação. É verdade, os italianos são muito bons em adaptar hábitos alimentares de outros povos. Deu certo com as massas e com o tomate. O vinho também não fica atrás, mas começo a perder a isenção para julgar assuntos gastronômicos nessa terra. Conto com a vossa compreensão, mas acho que no caso da pizza eles não suportariam.
Certa vez o escritor Georges Bourdoukan, atendendo a uma minha solicitação, enviou-me, gentilmente, cópia da matéria intitulada “O Divino Plágio”, publicada pela revista Caros Amigos. Começava assim:
“A Divina Comédia de Dante Alighieri, quem diria, é um plágio. Foram necessários quase seiscentos anos para que isso fosse descoberto e a revelação viesse a público. Talvez este tenha sido o mais longo e fascinante plágio de que se tem notícia. O autor da façanha foi um dos maiores eruditos europeus do fim do século passado e inícios deste, o professor e arabista espanhol Miguel Asin Palácios, cuja obra La Escatologia Musulmana en la Divina Comédia, publicada 1919, despertou enorme inquietação e uma viva polêmica.
E muita indignação dos italianos que tudo fizeram para que ela não fosse editada na Itália.”
Todas as referências em italiano que encontrei sobre a obra, sugerem que ela, na realidade, promove uma comparação entre hábitos muçulmanos e a obra maior da língua italiana.
Músicas estrangeiras que ganham versões antes mesmo que aquelas originais sejam tocadas nas rádios, pratos de outras culturas que se transformam em características regionais locais, obras modificadas para atender às exigências de uma censura prévia coletiva. Tudo isso poderia significar uma tentativa de tapar o sol com a peneira ou de puxar a brasa para a própria sardinha. Mas pode, também, significar uma enorme capacidade de adaptar-se e de adaptar tudo ao próprio estilo, num exercício cármico de manter viva e unida uma sociedade que um dia impôs sua vontade ao mundo, na esperança de voltar a fazê-lo.
E vocês, o que acham? Eu confesso não ter opinião formada sobre o argumento. Na dúvida, relaxo e vou me adaptando.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.