São Paulo – A abertura da 4ª Mostra Cultural Cooperifa relembrou com vídeos alguns momentos marcantes dos dez anos de intervenções artísticas na periferia da zona sul paulistana. Também foram feitos relatos da evolução do movimento cultural que começou com saraus, jovens e adultos declamando poesias no bar do Zé Batidão. O boteco, em seguida, abriu um espaço de cinema na laje e os ativistas culturais ampliaram o leque de atividades para divulgar a literatura no bairro e nas escolas.
Nos primeiros encontros no bar, contam os participantes mais antigos, os poetas apresentavam suas obras para poucos autores, tão escasso era o público. Hoje, são tantos artistas que cada um mal tem tempo de declamar um poema completo.
O crescimento do projeto se reflete no tamanho da mostra deste ano que conta com feira literária, distribuição de livros, debates, espetáculos de dança, teatro, cinema e shows de música ao longo de uma semana – de 14 a 23 de outubro. “É um dos eventos importantes da comunidade”, garante o percursionista, Alan Bernardino que acompanha o movimento há seis anos.
A primeira mostra aconteceu em uma fábrica abandonada em Taboão da Serra, zona metropolitana da capital. A abertura deste ano foi em um amplo teatro instalado em uma escola pública na Vila das Belezas. Minutos antes do evento, o idealizador do projeto, poeta Sérgio Vaz, ainda repassava com cuidado os últimos detalhes da apresentação. Apesar da função de diretor, não se esquivava de carregar peso para ajudar na montagem dos equipamentos e do cenário.
Para Vaz, um dos maiores méritos da Cooperifa foi fortalecer o vínculo da juventude da periferia com a escola. “Muitos tiveram contato com a literatura e sentiram vontade de estudar”, contou em entrevista à Agência Brasil. Esses jovens que estão ingressando na universidade, às vezes com dificuldade, conciliando estudo e trabalho, servem na opinião do poeta, como bons exemplos na comunidade. “O artista não deve ser referência para ninguém. Ele é o cara que não deu certo em trabalho nenhum”, compara.
As escolas também são, segundo Vaz, uma parceria fundamental para a expansão do movimento com a ideia de formar público para a cultura que é feita na periferia. “A Cooperifa está se apropriando das escolas. O público já está lá, está formado”, ressaltou.
Entre os beneficiados pela difusão da literatura na região está o estudante do 1º ano do ensino médio, Paulo Henrique Nogueira. Presente na abertura da mostra, ele disse que apesar de sentir um apelo maior pelas apresentações musicais, está começando a tomar gosto pela poesia de tanto frequentar os saraus da Cooperifa. “Vou pela música, porque vai o pessoal todo. Eu gosto[dos encontros], ainda mais porque começou lá no bairro. A gente tem que ir para representar o bairro”, contou, um pouco constrangido pelas gozações dos colegas que o acompanhavam.
O estudante acompanha de perto o processo de “efervescência cultural” que Sérgio Vaz vê acontecer nos bairros mais pobres das grandes cidades. “Hoje se forma uma classe cultural [da periferia], sem pedantismo, sem arrogância”. Artistas que atendem, segundo o poeta, a demanda das camadas emergentes por cultura.
“Só a escola não é suficiente, precisa ter escola, música, teatro. E a periferia está ávida disso”, concorda a advogada Eliane Dias. Esposa do rapper Mano Brown, Eliane acredita que inciativas como a Cooperifa preenchem lacunas deixadas pelo Poder Público. “Levar cultura e cidadania onde o governo não está chegando. Esse pessoal que trabalha educando, trazendo cidadania, poesia, trazendo informações, é de fundamental importância”, destaca.
(Por Daniel Mello, Repórter da Agência Brasil)