Allan Robert P. J.
Demorou, mas acabei me dando conta da besteira que fiz. Estou no lugar errado, eu jamais deveria ter vindo morar na Itália.
Nos Carnavais em Salvador, gostava de ir para a praça Castro Alves, o coração do inferno. Ver os Filhos de Gandhi descendo em direção à praça ou sentir o estômago vibrando com os acordes dos trios elétricos é uma experiência inesquecível. Voltando para casa, acendia um abatjour e deixava a música num volume baixo. Gosto de festa, mas gosto também de paz.
Às vezes tenho a impressão de que na Itália a festa não acaba nunca, apenas dá uma pausa à noite, para recomeçar com toda força na manhã seguinte. Faz parte da cultura local falar num tom de voz muitos decibéis acima do que o meu ouvido considera aceitável. Mas esse é um problema meu, sou eu que estou deslocado.
É fácil localizar minha casa à noite: ela serve de ponto de referência por ser a mais iluminada. Todas as luzes estarão acesas ao mesmo tempo, mesmo quando minhas três meninas estão juntas em um único cômodo. Sinto-me um homem de muita sorte por possuirmos dois aparelhos de TV em casa. Se possuíssemos cinco, tenho certeza de que dariam um jeito de ligar todos ao mesmo tempo. E no volume mais alto. A primeira coisa que faço ao voltar do trabalho é apagar as luzes e diminuir o volume da TV. Só depois consigo sorrir e beijar a patroa e nossas duas princesas. Procuro não me irritar, pois adoro a algazarra das meninas. O problema é querer ouvir Bach nesta casa ou neste país.
A rainha da TV italiana é uma loira arrogante e esganiçada, imitada aos berros em todos os canais e programas. As pessoas caminham pela rua falando ao celular num volume tão alto que o aparelho se torna desnecessário. Os gritos da vizinha nem sempre significam briga: pode ser apenas uma troca de receitas. O motorista de táxi, o barbeiro, a senhora gentil da quitanda, o vendedor da loja de sofás, todos têm o que eu chamo de “síndrome do Sole Mio”. Se você não entendeu, experimente cantar o Sole Mio sem gritar. A vantagem é que não existem segredos nessa terra.
Buzinar não é comum, mas as viaturas de polícia, os carros de bombeiros e as ambulâncias saem com as sirenes ligadas mesmo às quatro da manhã. Depois, tem o caminhão de lixo, os veículos varredores de rua e os topolinos (micro-camionetes de três rodas) que recolhem vidros nos latões de coleta diferenciada. Todos passam à noite (ou de madrugada) e cada um tem um rumor característico. Minha insônia é testemunha. Nem consigo sentir tanta saudade da Timbalada ou do Olodum.
Agora é tarde, vim viver aqui. E durma com um barulho desses.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.