Allan Robert P. J.
“Abro a geladeira e confiro: massa pronta, iogurtes light, saladas em saquinhos, suco na embalagem tetrapack e pizza no congelador. Não é hora de fazer um balanço pessoal, só preciso comer algo veloz, escovar os dentes e sair. Quero estar na vernissage quando a imprensa chegar, antes do pintor, ou ninguém vai dar bola para a iniciativa da empresa em patrocinar esse tipo de evento. Pizza.
Escovo os dentes olhando-me no espelho e descubro a primeira ruga. É leve, nem chega a ser notada, mas é uma daquelas que nem todos os creminhos do mundo conseguirão retardar por muito tempo. Será que vou ficar pra titia? Melhor usar um creminho.
No caminho para a galeria passo em frente ao novo bar. Dizem que tem uma iluminação incrível e que o sistema de som é perfeito. Se ninguém me convidar para vir conhecê-lo, vou acabar eu mesma convidando alguém. Será que é esse meu jeito de mulher decidida que assusta todos os homens da minha vida? Mas o que eles querem, afinal? Sou independente e prática. Não preciso vasculhar bolso masculino pra ir ao mercado.
Sucesso. Essa é a palavra que exprime o resultado da nossa iniciativa. A empresa ganha pontos com a elite intelectual e a comunidade, deduz tudo do imposto de renda, ganha algumas páginas publicidade positiva e o chefe me dá os parabéns entusiasmado. Nem parece o mesmo homem que dois meses atrás me acusava de possuir uma cultura de quiz show inútil. Os homens são assim, quando se sentem acuados, partem para a agressão.
O vinho está ótimo, muitos parabéns, tapinhas nas costas, brindes, mas ninguém me convidou para uma esticada ou para comer alguma coisa quando sair daqui. Preciso me manter longe daquela bandeja de salgadinhos. O grupinho dos bobões muda de assunto quando me aproximo. Sorrisos, alguém que já bebeu mais vinho do que deveria, elogios. Agradeço e saio, sentindo os olhares que medem meu tubinho preto e que me queimam as costas.
Estou morta de fome, doida por um prato de massa fresca e boa companhia. Vou acabar saindo com as meninas de novo. Pelo menos vou ter uma boa desculpa para não terminar a noite na discoteca. Esses saltos estão me matando. Oriento o pessoal para deixar tudo organizado e pronto para a abertura da galeria, amanhã. Aprendi a sair antes que o evento se esvazie.
Ok, meninas, trattoria. O barzinho novo vai ficar para uma noite de caça. Tudo o que queremos é comer algo honesto e cama. Não aguento mais vinho, peço água sem gás. A massa chega e elas ainda estão elogiando o resultado da exposição. Vou balançando a cabeça, concordando com tudo sem prestar muita atenção. Observo na mesa ao fundo o casal que janta romanticamente e lembro do meu apartamento vazio. Sem peixe nem gato, que não posso assumir a responsabilidade por outras vidas nesse momento. Deixo sempre o abatjour aceso para não ter que chegar em casa no escuro. E para me sentir menos só. Preciso visitar minha mãe e pedir umas receitinhas. E lembrar de jogar fora o suco vencido na geladeira”.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.