Transformado em autarquia especial, há risco do HC estabelecer “porta dupla”, com mais privilégios a pacientes particulares e de convênios médicos. Enquanto isso, estudo do CFM constata que há muito mais médicos na rede privada do que na rede pública, na proporção de 4×1.
Os deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovaram no dia 16 de novembro por 58 votos contra 19, a Emenda Aglutinativa Substitutiva 19, do Executivo Estadual paulista, que transforma o Hospital das Clínicas (HC) na capital, em autarquia especial, por determinação do governador Geraldo Alckmin (PSDB). A medida é considerada uma forma de privatizar as atividades da unidade, vinculada atualmente à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A preocupação é com a criação de uma “porta dupla”, com prioridade a pacientes particulares ou de convênios médicos, em detrimento dos oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS).
A maior crítica dos deputados da oposição – incluindo toda a bancada do PT – se concentra no artigo 8º do projeto, que garante a possibilidade de a iniciativa privada constituir a receita do HC. Com isso, os leitos poderão ser “vendidos” a hospitais e ambulatórios particulares. Inicialmente o hospital deveria ser um local de atendimento aos usuários do SUS.
O deputado João Paulo Rillo (PT) foi um dos críticos da iniciativa. Para ele, o nome de “autarquia especial” é uma forma de “tucanar a palavra privatização”. “Na verdade, eles estão preparando o HC para entregar um patrimônio público para beneficiar uma pequena parte” da população, afirmou, prevendo um futuro desanimador. “O que vai acontecer é que o HC vai tratar de maneira muito superficial o público e de maneira especial o privado”, disse.
O deputado Geraldo Leite da Cruz (PT), há poucos meses, teve um projeto seu rejeitado pela maioria governista. O deputado tentou aprovar uma Lei que obrigasse a rede particular de hospitais atendessem ao menos 25% de pacientes provenientes do SUS (atendimento gratuito), em contraposição a uma outra proposta do governo paulista que abriu margem para a privatização de 25% dos leitos dos Hospitais Públicos do Estado. O ‘trator’ governista aprovou a lei, mas o Ministério Público Estadual conseguiu na justiça a suspensão da aplicação da Lei.
PACIENTE DO SUS TEM MENOS MÉDICOS
A contínua privatização dos Hospitais Públicos em São Paulo distorce ainda mais o atendimento aos pacientes do SUS, que já tem muito menos médicos à disposição do que na rede privada. Um estudo do Conselho Federal de Medicina constatou que para cada mil usuários de planos de saúde, existem 7,6 postos de trabalho ocupados por médicos, enquanto no SUS a taxa cai para 1,95 posto preenchido para cada mil pacientes da rede pública.
No Brasil, os usuários de planos de saúde dispõem de 3,9 vezes mais médicos que os pacientes da rede pública, considerando a população atendida pelo SUS de quase 145 milhões de brasileiros e a atendida pelas operadoras, superior a 46 milhões de clientes. Os dados são da pesquisa Demografia Médica no Brasil, divulgada na quarta-feira (30 de novembro) pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp).
O número de médicos na rede particular fica acima da média nacional no Centro-Oeste, Nordeste e Sul – 10,3, 9,6 e 9,5 para mil usuários, respectivamente. No entanto, somente a Região Sudeste tem razão de médicos superior à taxa nacional na rede pública. Todas as outras regiões estão abaixo da média nacional nesse quesito.
A pesquisa destaca uma distorção gritante na Bahia, onde o índice chega a 1,25 médico na rede pública por mil pessoas dependentes do SUS, enquanto os usuários de planos de saúde no estado têm à disposição 15,14 médicos. No estado, 89% da população têm acesso somente à rede pública. O levantamento não avalia se o contraste se reflete em melhor qualidade e acesso à assistência médica no país. Porém, aponta que a tendência é a concentração de profissionais prestando serviços para as operadoras de saúde, já que o setor oferece mais vagas de emprego.
“[A diferença] pode estar contribuindo para escassez de serviços públicos. Se não invertermos a equação, iremos aumentar ainda mais a desigualdade de médicos no [setor] público e privado”, disse Mário Scheffer, coordenador da pesquisa e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
As taxas foram calculadas com base nos postos de trabalhos ocupados por médicos em hospitais privados que atendem por operadoras de planos de saúde e os postos ocupados por profissionais em estabelecimentos financiados pelo governo, como instituições públicas, hospitais filantrópicos ou serviços particulares conveniados. Não foram contabilizados consultórios médicos particulares.
(Fato Expresso, com informações de Raoni Scandiuzzi, Rede Brasil Atual e de Carolina Pimentel, Repórter da Agência Brasil)
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