Lei da Ficha Limpa, o caso Mensalão, cotas raciais em universidades públicas e o Regime Diferenciado de Contratações para a Copa do Mundo estão entre os destaques do ano
São Paulo – Tão logo se inicie o ano judiciário, a partir de 1º de fevereiro, a pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) promete novos períodos de pressão social pela apreciação de temas relevantes adiados dos trabalhos de 2011. Lei da Ficha Limpa, o caso Mensalão, cotas raciais em universidades públicas e o Regime Diferenciado de Contratações para a Copa do Mundo estão entre os destaques do ano, todos exigindo posicionamento imediato dos ministros superiores.
Isso porque, por exemplo, os resultados dos julgamentos dos processos da Lei da Ficha Limpa e do Mensalão podem alterar rumos de campanhas eleitorais e até mesmo impedir alguns candidatos de concorrer ao pleito municipal do fim deste ano.
Projeto de iniciativa popular, a proposta que visa impedir políticos já condenados em segunda instância de concorrerem às eleições, foi aprovado pelo Congresso em julho de 2010, deixando no ar muitas dúvidas a respeito de sua aplicabilidade imediata, já nas eleições legislativas daquele ano.
Políticos considerados fichas sujas pela nova lei que obtiveram votos suficientes para se eleger interpuseram uma séria de liminares para garantir a posse e o exercício do mandato. O caso foi parar no STF, onde primeiramente foi decidido que a lei já valeria para as eleições de 2010, o que deixou de fora aqueles que possuíam débitos na justiça – como o conhecido senador Jader Barbalho (PMDB-PA). Mais tarde, em março de 2011, nova decisão do Supremo indicou que aqueles que assumiram no lugar dos fichas sujas não teriam o direito de exercer seu mandato. Daí em diante, o Superior Tribunal de Justiça iria julgar caso a caso separadamente.
Após a confusão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) interveio novamente solicitando que a Corte declarasse oficialmente se a lei da Ficha Limpa é ou não constitucional. Envolvido em outros temas, o STF resolveu empurrar a decisão para 2012.
Para o professor de Ciência Política da UnB (Universidade de Brasília) João Paulo Peixoto, a demora em encerrar a discussão traz inúmeros prejuízos ao país.
“Essa confusão não é boa, cria uma instabilidade muito ruim para o processo político. O assunto já foi bastante discutido e a população espera que haja entendimento e a lei seja implantada o mais rápido possível. Pois justiça lenta é justiça negada”, disse em entrevista à TV Record, na última segunda-feira (2).
Mensalão
O caso denunciado em 2005 pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB) expõe um suposto esquema de pagamentos de propinas do Executivo a parlamentares que compunham a base do governo a fim de que aprovassem os projetos de interesse governista. O país vivia o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O operador do esquema, segundo Jefferson, seria o empresário mineiro Marcos Valério de Souza, que agia em conjunto com o tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares. Os nomes do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-deputado federal José Genoíno estão entre os 38 acusados no processo.
Caso a Corte não conclua o julgamento até 2013, as penas de alguns dos reús vai ser prescrita e eventuais condenações perderão efeito. Por outro lado, alguns dos envolvidos no caso podem perder sua elegibilidade e ser obrigados a abandonar seus planos eleitorais já este ano, por conta da Lei da Ficha Limpa.
Para evitar um novo adiamento do julgamento, o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do processo, elaborou um relatório resumido da peça processual aos demais ministros, a fim de dar celeridade ao trâmite. Esse é um dos casos que prometem polemizar as eleições municipais de 2012.
RDC
O Regime Diferenciado de Contratações (RDC) é uma iniciativa proposta pelo Executivo com a finalidade agilizar os processos de licitação para as obras direta ou indiretamente envolvidas na realização da Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de em 2016. A matéria foi aprovada às pressas pela Câmara e pelo Senado, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, mas esbarrou no Judiciário.
A principal polêmica que provocou as críticas da oposição diz respeito à “contratação integrada”, pela qual a mesma empresa passa a ser responsável por todas as etapas do projeto, do básico ao executivo. No atual processo de licitação, uma empresa responde pela estrutura, outra pela edificação e outra pelo acabamento. Para o líder da oposição na Câmara, Duarte Nogueira (PSDB-SP), a aprovação da medida seria o mesmo que “entregar um cheque em branco às empresas.”
A maioria dos parlamentares, formada pela base governista, acredita que apesar das polêmicas, a iniciativa dará agilidade ao atual processo licitatório brasileiro, cheio de burocracias que atrasam os processos. A pressão do Executivo pode jogar a favor pela aprovação da legitimidade do RDC pelo Supremo.
A própria presidenta Dilma já disse que caso a modalidade de contratação mostre resultados positivos na preparação para os dois eventos esportivos, ela pretende propor sua expansão para as demais obras do governo, incluídas aí as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O professor da Universidade Federal do ABC Giorgio Romano diz que a urgência do tema pode dar o direcionamento da sentença do STF. “Quando se tem Copa do Mundo ou Olimpíadas, entra um fator externo que obriga a ‘cair na real’, que são os prazos que não se pode perder”, alertou.
Cotas para negros
A discussão sobre a criação de cotas nas universidades públicas reservadas para negros já dura mais de uma década no Brasil. Aprovada na Câmara, a matéria aguarda na fila de votação do Senado. No STF, o ministro Ricardo Lewandowski relata duas ações que visam extinguir a instituição de cotas para negros em universidades. Uma delas é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) número 186 – ajuizada pelo partido Democratas (DEM) contra a Universidade Federal de Brasília (UnB), sob a alegação de inconstitucionalidade. A outra é o Recurso Extraordinário 597.285, que discute o sistema de reserva de vagas destinadas a estudantes do ensino público e a estudantes negros adotado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O recurso foi proposto por um vestibulando que não foi aprovado no exame, embora tenha alcançado pontuação maior do que alguns candidatos admitidos no mesmo curso pelo sistema de cotas.
Segundo Lewandowski, “a questão constitucional apresenta relevância do ponto de vista jurídico, uma vez que a interpretação a ser firmada pela Corte poderá ser relevante na formulação de futuras políticas públicas que objetivam, por meio de ações afirmativas, a redução de desigualdades para o acesso ao ensino superior.” O debate divide até mesmo as opiniões entre a população negra do país.
Limitações ao CNJ
A polêmica teve início em dezembro de 2011, quando o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello decidiu, no último dia de atividade do STF, deferir uma liminar que impede o Conselho Nacional de Justiça de investigar e punir juízes suspeitos de irregularidades.
A crise envolvendo o Supremo e o Conselho Nacional de Justiça se agravou publicamente após uma entrevista com a corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, em meados do ano passado afirmando que existem “gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás de togas”. A declaração soou como um protesto contra a possibilidade de o CNJ ter sua atividade limitada pelo STF.
Após a iniciativa do ministro em diminuir os poderes do Conselho, a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com um mandado de segurança no STF para suspender os efeitos da decisão. Mas tudo ocorreu em meio ao recesso judiciário, e a discussão deve prosseguir em fevereiro.
Outros temas polêmicos
Outros temas que prometem esquentar o debate na Suprema Corte e a mobilização da sociedade civil sobre os ministros do STF são a questão das terras quilombolas – a identificação, demarcação e titulação dessas áreas são contestadas por uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) apresentada pelo DEM – e da chamada “desaposentação”, que interessa a cerca de 500 mil cidadãos que se aposentaram, mas continuaram trabalhando ou voltaram à ativa – como continuam contribuindo com a Previdência sem que esse valor conte para a aposentadoria, elas querem trocar o benefício, incluindo esses pagamentos no cálculo do que recebem.
(Por: Raoni Scandiuzzi, Rede Brasil Atual)