Engraçado o valor do casamento nos diversos lugares do mundo. Em alguns países as mulheres são tratadas como simples objeto para a manutenção da espécie, além de empregada doméstica sem remuneração (esta é uma estória de ficção, qualquer referência a pessoas ou fatos conhecidos terá sido mera coincidência). Isso graças a resistência às revoluções ocorridas no campo da fecundação. Na china, nem isso. Ou como diz o Guru, um velho amigo: “na China a mulher é uma reles!” Assim, sem substantivo. Quando queria se auto menosprezar, Guru dizia: “Eu sou tão reles que não mereço nem substantivo, um reles!” Na Itália as mulheres têm uma outra função no casamento: ser a esposa de alguém.
Creio que o erro, como diria Lewis Carroll, o autor de “Alice no país das maravilhas”, começa no começo, continua pelo meio e termina com o fim do casamento. Mas o problema é que neste caso (o fim do casamento) os problemas só aumentam. Quando duas pessoas de sexo complementar (que essa história de “sexo oposto” parece coisa da Física e não me convence) passam oito, dez anos brigando antes de decidirem se casar, é óbvio que a união não pode dar certo. Elas já gastaram toda a paciência e desperdiçaram as oportunidades de se descobrirem numa vida a dois. Levam consigo os limites a que se impuseram (auxiliado pelos parentes e amigos confidentes) quando cada um tinha uma vida independente do outro.
O instrutor do curso gastronômico nos contava da sua perfeita harmonia afetiva, mesmo após trinta anos de casamento. Explicava-nos que jamais abriu mão do cigarro na cama e que sua mulher é alérgica ao fumo. Desde o primeiro dia de matrimônio dormem em quartos separados e, como os horários são conflitantes, se vêem muito pouco. Calcula ele que, somando todo o tempo em que permaneceram juntos em almoços de família, natais, as visitas noturnas no quarto um do outro e algumas conversas sobre como educar os filhos, não teriam ainda convivido por mais de quatro anos. E nos garante que a esposa é tão feliz quanto ele.
O casamento na Itália é uma convenção. Todos devem se casar! As pessoas vão às discotecas, pubs, festas, restaurantes, praias e em qualquer lugar onde possam ter a chance de encontrar um parceiro ou parceira. Saem com todos que têm oportunidade (são raríssimos os motéis, mas todos têm carro) e, depois dos trinta, ficam desesperados para encontrar alguém que esteja disposto a conviver com um estranho.
Depois de uma certa idade (ou finda a paciência) entregam-se à solidão solidária: aquela dividida com os pais, cada um vivendo a própria vida sob o mesmo teto. A antítese emocional se concretiza em saídas com os amigos para dançar ou jantar nos lugares de sempre; bebedeiras históricas às sextas-feiras; o sermão da mãe aos sábados de manhã; partidas de game boy com os sobrinhos sábado à tarde; a conta astronômica do telefone no final do mês; as visitas intermináveis aos sites pornográficos e a cervejaria aos domingos. Ocasionalmente assistimos a crônica policial informar sobre algum solteirão de quarenta, quarenta e cinco anos que matou os pais, com quem ainda vivia.
Aos felizardos que conseguem encontrar um parceiro ou parceira, resta a felicidade: uma rotina que se resume a pouco mais de demarcar o território de cada um; as férias de verão, onde ela chega uma semana antes com as crianças, para arrumar e limpar o apartamento ao mar, mas também para tomar banho de sol em top less, coisa impensável quando ele chega; ela que controla a economia da casa e a cervejinha dele e ele que reclama da despesa alta com supérfluos; ele que diz à mulher que irá tirar férias no Brasil comigo e ela que diz que fará o mesmo, mas com a minha esposa; ela sai com as amigas e ele vai jogar futebol ou arranja outra desculpa para também sair sozinho; os dois que se encontram voltando de algum lugar às duas da manhã, na cozinha e terminam de brigar às sete, na sala, para ir trabalhar. Enfim, desencontros cotidianos que constroem as neuroses dos casais, que decidiram viver juntos para discutirem com mais frequência. Ao menos é o que parece…
Enciumados do novo proprietário da filha, os zelosos pais têm o hábito de fazer visitas inesperadas noturnas ao jovem casal, logo após o matrimônio. Isso às onze da noite, uma ou duas da manhã! Nessas ocasiões o marido-genro deve preparar um prato de massa para acalmar a fome do sogro, que é a desculpa utilizada para a “inesperada” reunião familiar. A coisa dura enquanto o sogro houver resistência para o prato, cada vez mais picante. A sogra se convence da saúde emocional da filha e o estômago do sogro é transformado no caminho para as férias do gastroenterologista de confiança. Três meses após o casamento os pombinhos ganham a liberdade de poder brigar em paz.
É óbvio que ninguém se casa se não possuir uma casa antes (esta obviedade não nos é tão clara assim). Uma vez tomada a decisão pela união, compra-se um imóvel. O tamanho dele dependerá da situação social e dos planos imediatos (filhos ou não), mas nunca da situação econômica, pois existem financiamentos de até trinta anos, com juros bem inferiores ao que estamos acostumados nas instituições tupiniquins (ou guaranis, para não parecer preconceituoso). Assim como a reforma, os móveis e o carro podem ser financiados com prazos dilatados e juros camaradas. Ou seja, é mais fácil se casar por aqui. Então, eu me pergunto: porquê o casamento italiano é uma instituição em desuso? A resposta? Releia os parágrafos anteriores.
E, caso você realmente não consiga entender, olhe-se no espelho e diga: Eu sou um reles! Mas não se preocupe, pois você estará em boa companhia.
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.