Bruno Torturra explica que coletivo terá sedes no Rio e São Paulo, fará cobertura de Brasília e absorverá jornalistas demitidos das grandes redações. ‘Nunca quisemos apenas transmitir ao vivo
– por Tadeu Breda, da RBA –
São Paulo – Depois de explodir em popularidade, virar notícia e às vezes ganhar mais notoriedade do que as próprias manifestações que cobriam ao redor do país, o coletivo Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) está prestes a dar um salto de qualidade. Sem abdicar da experimentação, já há planos bem definidos para quando passar o oba-oba em torno do grupo. “Nunca quisemos ser simplesmente transmissores de coisas ao vivo”, adianta Bruno Torturra, um dos idealizadores da iniciativa, “apesar de que iremos continuar fazendo, porque fizemos muito bem”.
Os criadores da Mídia Ninja prometem lançar em breve um portal na internet, estabelecer redações em São Paulo e no Rio de Janeiro e passar a cobrir os assuntos palacianos de Brasília. O suposto déficit de jornalismo, apontado por quem critica os intermináveis streamings que caracterizaram o grupo, também estaria com os dias contados. Os ninjas dizem estar atentos à questão, e pensam saná-la absorvendo profissionais dispensados nas sucessivas demissões em massa que se abateram sobre as grandes empresas de comunicação.
“Ainda não deu tempo de executar todos os planos que temos na cabeça porque estamos muito ocupados atendendo às demandas da imprensa”, explica Torturra, que diz ser até agora o único profissional com experiência em redações a integrar o coletivo. “Nosso site vai ter reportagens, blogs, programas gravados e minidocumentários, e será dividido em editorias. Não terá uma só linha editoral, mas sim uma teia editorial. Vamos trabalhar com jornalismo em rede, descentralizado.”
Inovações
É uma estrutura inovadora para a realidade brasileira. E que, pelo ineditismo, provoca uma série de dúvidas – senão puro ceticismo – em quem está acostumado a fazer jornalismo nos moldes tradicionais. Ainda mais numa época marcada por uma das crises mais profundas no mercado editorial. “Fazer jornalismo é caro, mas não tanto”, defende Torturra, na contramão do fechamento generalizado de jornais e revistas ao redor do mundo. “Caro é manter estrutura física gigantesca, parque gráfico, prédio enorme e publishers milionários, como aconteceu até agora.”
Uma certa dose de descrença às propostas do Mídia Ninja pairou sobre a entrevista que Bruno Torturra concedeu ao programa Roda Viva, na última segunda-feira (5), ao lado de Pablo Capilé, fundador do Fora do Eixo, rede de coletivos culturais que gestou o jornalismo ninjista. Mas, para quem viu no programa da TV Cultura “dois jovens visionários” bombardeados por “dinossauros da velha mídia”, Torturra adverte: “Não houve disputa ou guerra, como se eles tivessem tentado destruir a gente. As perguntas foram legítimas. Não acho que tentaram nos colocar em cilada nenhuma”.
A diplomacia com que o jornalista respondeu às perguntas da RBA, dois dias depois de sua aparição televisiva, foi a mesma que utilizou para saciar as dúvidas da bancada liderada pelo apresentador Mário Sérgio Conti sem provocar sequer um princípio de bate-boca. Após a transmissão, blogs e redes sociais pipocaram com elogios ao desempenho de Torturra e Capilé: eles teriam “vencido” o acosso dos arautos de uma visão caduca de jornalismo, que investiram contra a novidade com toda a agressividade do establishment midiático.
Doutrinas
“Para mim, a postura dos entrevistadores foi muito mais o reflexo de uma visão jornalística que busca criar polêmica, contradição e frases de efeito – e não uma tentativa de desqualificar o Mídia Ninja. É uma doutrina que não compartilhamos”, insiste. “Quando falamos em narrativas independentes, que é nossa proposta, é contra essa visão de jornalismo que estamos agindo. Existe uma ideia de que você tem que ser necessariamente contra ou a favor: PT ou PSDB? Esquerda ou direita? Mas o papel do jornalista não é tanto escolher lados. É muito mais sofisticar as questões, e não simplificá-las. É isso que tentamos fazer.”
Torturra se refere às frustradas tentativas do Roda Viva em enquadrá-los como simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, e também à insistência em arrancar-lhes alguma declaração “bombástica” que pudesse rotular os ninjas como apoiadores dos black blocs, grupo que se mascara, se veste de preto e investe contra símbolos do capital – como bancos e concessionárias de automóveis – durante manifestações. “Não queremos apenas responder a questão: pode ou não quebrar?, mas tentar entender por que estão quebrando. É muito mais interessante.”
Apesar de avaliarem que teria sido mais interessante discutir outros temas durante a entrevista – como marco civil da internet, a democratização das comunicações no país, as contradições em se utilizar o Facebook e o papel do jornalismo cidadão na grande mídia brasileira –, nem Torturra nem Capilé se queixam das perguntas que tiveram de responder. Nem mesmo da dificuldade que a bancada do Roda Viva demonstrou em entender o modelo de financiamento do Fora do Eixo. “Nosso papel era atender às dúvidas da bancada, e não pautá-la”, argumenta Torturra.
Capilé é mais incisivo: “Não basta perguntar quanto dinheiro entra e quanto sai. Você tem que ter a compreensão de como funciona o sistema”, cutuca, em referência às questões que tentavam elucidar sobre como o coletivo multiplica recursos financeiros ao lançar mão de moedas próprias, trabalho em rede e coletivismo. “Tem que estudar economia solidária, economia de rede, felicidade interna bruta, economia do afeto. No Roda Viva, tentaram analisar coisas que estão rolando no século 21 com réguas do século 20. Aí vai ser sempre difícil de compreender.”
Dinheiro
A compreensão – não da comunidade jornalística, mas do público leitor – é a grande aposta do Mídia Ninja para conseguir sobreviver ao longo dos anos. Afinal, dinheiro pode não ser o objetivo final dos ninjas, mas arranjar um jeito de ganhá-lo é mister para que as ideias se concretizem – e produzam frutos. “Estamos contando muito com a relevância do nosso projeto e acreditando que conseguiremos fazer as pessoas entenderem que, para seguirmos adiante, e para melhorar o Mídia Ninja, precisamos de apoio financeiro de quem gosta do nosso trabalho”, revela Torturra. “Contamos com que farão doações.”
Ao Roda Viva, o jornalista falou sobre um mecanismo digital que daria aos internautas a possibilidade de remunerar com baixíssimos valores conteúdos jornalísticos e audiovisuais que julgarem bons e relevantes. Funcionaria de maneira parecida à opção “Curtir” no Facebook: em vez de apenas endossar a reportagem, o vídeo e a foto com sua aprovação pessoal, as pessoas poderiam doar 50 centavos, R$ 1 ou R$ 5 para os responsáveis pelo trabalho. “Se milhares de pessoas fizerem isso com um bom texto, por exemplo, o profissional vai ganhar muito mais do que um freelancer tradicional.”
Claro que não existe nenhuma garantia de que a fórmula irá funcionar. “Eu acredito que o Mídia Ninja é um grande laboratório que está sendo construído todos os dias”, pondera Capilé. “Não dá para analisar o projeto como se fosse uma coisa fechada. Há 1.500 pessoas dispostas a colaborar. Isso vai provocar o nascimento de uma ‘mídia das multidões’ que não estará necessariamente ligada ao Mídia Ninja. Os conteúdos vão se aprimorar cada vez mais, porque haverá uma massa de mídias, e não mais uma mídia de massas. Será muita gente fazendo cobertura o tempo inteiro e essas pessoas vão aprimorando seus olhares sobre as coisas, e traduzindo as coisas em linguagens cada vez mais qualificadas.”
Ainda que morra na praia, o Mídia Ninja, nas palavras de Bruno Torturra, já provocou efeitos positivos sobre o jornalismo brasileiro: mostrou que estamos na era da informação e que, diferente do que acontecia até então, a mídia perdeu alguns superpoderes. “O leitor não é mais passivo”, decreta. “É também um questionador, um ombudsman, um produtor e replicador de informação. E isso tirou dos grandes meios de comunicação o monopólio do constrangimento alheio. A mídia sempre só ela tinha condições de constranger o poder, a autoridade e quem quisesse. A mídia nunca foi constrangível, mas agora é – e isso vai ser saudável para o jornalismo, porque terá que ser mais responsável com a informação que produz.”