Um casal de amigos – ela italiana, ele nigeriano – foi à Nigéria adotar uma criança. Um outro amigo telefonou-me do Brasil para avisar que será pai em dezembro próximo. Deve ser o ar da Primavera na Europa…
As tulipas já desapareceram e cederam lugar a um festival de flores e ao verde fresco e claro que cobre as árvores. Pássaros de todos os tamanhos, penas, plumas e sons invadem os céus e contribuem para a algazarra matinal das crianças a caminho da escola. Pólen, painas e dentes de leão (ou coisa parecida) formam nuvens ralas que quase pairam no ar, exatamente na altura dos olhos, provocando uma epidemia de alergias, como em todos os anos. Só agora entendi aquele sorriso quando um amigo perguntou-me se eu havia comprado óculos transparentes para andar de bicicleta. Diante da minha negativa e surpresa, ele sugeriu-me que aguardasse a Primavera…
E por falar em bicicleta, essa é, também, a época do “Giro d’Italia”. três semanas em que só se fala de bicicleta. O jornal “La Gazzetta Dello Sport”, um dos patrocinadores do Giro, dedica cadernos inteiros à cobertura do evento, exceto aos domingos, em função de uma antiga lei que proíbe os jornais de circularem sete dias por semana, garantindo o repouso dos jornalistas. Nesse dia o jornal sai com o nome de “La Gazzetta Sportiva”, no mesmo inconfundível papel rosa dos outros dias. E dedica o mesmo espaço aos corredores…
As roupas se tornaram leves, levíssimas. O branco e motivos florais já fazem parte do cotidiano desta estação, mais quente que nos anos anteriores. Os bares há muito retiraram os aquecedores externos usados nas mesas espalhadas nas calçadas. Carros conversíveis saem das garagens e os óculos escuros estão por toda a parte. O sol, agora, se põe por volta das nove da noite e reaparece às cinco da manhã. As lojas e oficinas de bicicletas faturam alto neste período.
As cidades europeias – ao contrário das nossas – são pequenas e espalhadas sobre todo o território. Milão, a capital financeira da Itália, possui um milhão e setecentos mil habitantes e é considerada uma metrópole. Se somarmos a sua região metropolitana (as cidades vizinhas) chega-se a cinco milhões. Menos que o Rio de Janeiro. Em compensação, as pequenas cidades e vilarejos tornam a paisagem menos monótona que o oeste da Bahia, por exemplo, onde é possível rodar quilômetros sem encontrar uma única construção. Esse tipo de ocupação permite um maior fluxo entre cidades, sem o stress das nossas metrópoles. A pouca diferença da qualidade de vida entre o vilarejo e a cidade de uma mesma região, faz com que a escolha onde morar seja somente uma questão de praticidade ou o valor do aluguel.
Outra vantagem dessa disposição geográfica é a proximidade da agricultura à realidade urbana. Todos os espaços são ocupados – num país cuja a área é a metade da Bahia, os terrenos agrícolas custam os olhos da cara. Os dois olhos! – e nesta época o trabalho é frenético. Tratores, caminhões e máquinas agrícolas rodam entre as propriedades e pelas estradas adjacentes. Campos cultivados e rolos imensos de feno são vistos assim que se deixam as cidades. Só não se vêm animais. Vacas, porcos, galinhas e outras criações são criadas em cativeiro, protegidos das altas temperaturas, ventos e do frio e neve do Inverno.
A Primavera é o renascer de todas as coisas. Um ciclo que se encerra e outro que se inicia. E eles aqui levam isso muito a sério. Tudo acaba na Primavera: Os programas de Tv se preparam para andar em férias e serem substituídos por uma programação de Verão; o ano letivo tem, ainda, duas semanas de vida e só recomeça na segunda semana de setembro; o campeonato italiano de futebol já terminou, assim como a Champions League; o Campeonato Europeu de futebol tornou-se a notícia do momento, com a Itália entre os favoritos. Outra competição deverá terminar em poucos dias, com uma vitória conhecida e anunciada: Em breve os ventos da África levarão a melhor sobre os ventos frios que vem do Norte. Enquanto a guerra durar, os dias serão sempre quentes, depois das dez da manhã e as noites frias, mais dignas do Outono que deste período. Quando isso acontecer, seremos invadidos por uma forma primitiva e resistente de vida, os pernilongos. Mandamos instalar mosquiteiros em todas as portas e janelas.
Os passeios e domingos voltaram aos parques e áreas abertas. Os quintais ganham mesas novas ou reformadas. Ganham vida. E os amigos nos convidam para os churrascos de espetinhos e carne de porco. Eles não têm a menor idéia do que seja um churrasco de verdade; assim, cabe a nós ensinarmos. E brigamos para não permitir que coloquem alecrim, sálvia e “um fio de azeite extra-virgem” sobre a picanha brasileira ou argentina, já não tão difícil de encontrar. Mas nos deliciamos quando eles descobrem que a carne na brasa só com sal grosso, tem sabor …de carne!
Enquanto vocês imaginam o oposto do que estão vivendo com o Outono brasileiro, nós aproveitamos o clima da Primavera italiana e da sensação de renascimento que ela provoca, para torcer pela criança nigeriana que em breve conheceremos, pela criança que deve chegar em dezembro e que conheceremos um dia. Torcemos pelos pais dessas crianças, pelo renascimento das tulipas no próximo ano. E torcemos pela Itália. Alê, oô…!
**Allan Robert P. J., carioca de nascimento, tem 51 anos, viveu em Embu (SP) por quase duas décadas e lá se casou com Eloá, em 1987. Mudou para Salvador (BA) onde estudou Economia e o casal teve duas filhas. De lá, foram para a Itália, onde vivem atualmente. Allan é micro empresário do ramo automotivo, e Eloá trabalha no ramo de alimentação. Ambos têm raízes (amigos e parentes) na ‘ponte’ Embu-Assis-SP. Allan é irmão dos advogados Bruce P. J. e Dawidson P. J., radicados em Embu. Dawidson já foi do primeiro escalão da Assessoria Jurídica da Prefeitura de Embu no governo Geraldo Puccini Junior (1993-96), e ambos já participaram da diretoria da subsecção da OAB de Embu”.