São Paulo – O secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, disse hoje (9) que o filósofo Vladimir Safatle, professor-doutor da USP, havia sido convidado, entre outras coisas, para “provocar” o plenário do 11º Congresso Nacional da central (Concut). E ele aceitou a proposta, ao refletir sobre a dificuldade de se conseguir uma visão “sensata” sobre os conflitos e desafios brasileiros. Transpôs o dilema ao governo Lula.
Para Safatle, há os que tratam o chamado “lulismo” como uma experiência absolutamente exitosa e “incriticável”, embora outros falem em catástrofe. Na visão do filósofo, o governo foi hábil ao perceber que havia margem de manobra para promover a redução da desigualdade sem promover acirramento de conflitos de classe. Mas trata-se de um modelo com limites, acrescentou. “Houve um ciclo importante de ascensão social. Mas é muito provável que esse ciclo esteja se esgotando.”
Ele também vê um esgotamento da “criatividade política”. Em sua visão, a política de alianças feitas nos últimos anos permitiu ao governo implementar políticas de transferência de renda, proporcionando, trazendo milhões de pessoas para a chamada classe média, sem conflitos de classe. Mas essa política também teria causado imobilismo, ou impossibilidade de novos avanços. Há aumento do endividamento das famílias. E a maior parte dos milhões de empregos formais criados nos últimos anos tem rendimento de apenas 1,5 salário mínimo, em média. “Não é possível mais suportar essa base salarial. Como essa ascensão vai continuar?”, questionou.
Essa limitação deve-se também ao Estado brasileiro, acrescenta Safatle, para quem os novos integrantes da classe média passam a ambicionar colocar seus filhos no ensino privado e manter planos de saúde também privados, comprometendo assim grande parte, talvez metade, de sua renda. Se o Estado proporcionasse saúde e educação de boa qualidade, essa renda poderia ser direcionada ao consumo, por exemplo.
Consciência
Recente declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega – o país “quebraria” se destinasse 10% do PIB para a educação – também foi questionada pelo filósofo. “Uma pessoa que fala uma coisa dessas não tem consciência do problema que deveremos enfrentar daqui para a frente”, afirmou, pedindo “coragem” ao Estado brasileiro para taxar de fato os ricos, as grandes fortunas, as heranças. “Se o governo tem problemas no orçamento e se os ricos no Brasil têm um coração enorme, a gente pega o dinheiro deles e paga a educação pública gratuita.” A taxação de fato das maiores rendas significaria uma verdadeira revolução na América Latina, avalia Safatle. “Mas receio que isso não ocorrerá nesse modelo político.”
Ele também afirma que a falta de autocrítica dos responsáveis pela crise financeira desencadeada em 2008. Citou o também filósofo (dinamarquês) Soren Kierkegaard, para quem o principal defeito de um homem seria a transferência de responsabilidade. “Quando os países europeus quebraram e a economia americana foi à lona, aqueles responsáveis pelo processo foram incapazes de fazer a menor autocrítica. E ainda colocaram a culpa no colo dos gastos estatais, no que restava do Estado de bem-estar social. Se há alguma coisa realmente impressionante na história dessa crise, é como uma doença foi tratada por remédios inadequados.”
Para o pensador, o mundo caminha para uma outra época, o que pressupõe mais conflitos. “É também uma crise política profunda, uma crise social que está só começando.” Outras vozes, não as mesmas, terão de ser ouvidas, diz Safatle, lembrando de uma frase de seu avô, que trabalhava no comércio, como um princípio básico: quem paga a orquestra escolhe a música.