Juíza lamenta que governo paulista ignore histórias de famílias que ocupam o local há trinta anos. Liminar suspende operações de venda, que deixariam ao comprador responsabilidade por moradores
São Paulo – A Justiça de São Paulo suspendeu hoje (11), em caráter liminar, o leilão de 60 terrenos públicos onde vivem cerca de 400 famílias no entorno da avenida Jornalista Roberto Marinho, na região dos bairros de Campo Belo e Brooklin, na zona sul da capital paulista. As operações de venda começariam a ser realizadas na próxima sexta-feira (13). A juíza Maricy Maraldi, da 6ª Vara da Fazenda Pública, entendeu que o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) violou a garantia de ampla defesa dos moradores ao iniciar o processo de oferta dos terrenos sem prestar-lhes qualquer informação para que “pudessem exercer legitimamente seus direitos”.
A juíza argumenta ainda que, na efetivação da concorrência, com a venda dos imóveis, o governo paulista colocaria na rua inúmeras famílias sem qualquer garantia mínima, “apesar de ciente da consolidação, por décadas, de uma comunidade no local, composta de moradores em sua maioria em situação de vulnerabilidade”.
E ponderou que o Estado não pode se omitir sobre sua responsabilidade. “Em flagrante omissão, colocou os imóveis à venda, restringindo-se a fazer constar do edital que ‘o imóvel encontra-se ocupado e serão responsabilidade do comprador todas as providências necessárias para regularizar esta situação, especificadamente quanto à desocupação, não cabendo ao Estado qualquer responsabilidade ou qualquer diligência relativamente a esta pendência’, furtando-se a garantir que as necessidades mínimas e essenciais dos moradores desalojados serão atendidas”.
A ação foi proposta pela defensora Sabrina Nasser de Carvalho, do Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. No mérito da ação ela pede que sejam declarados nulos os processos administrativos que deram embasamento aos editais dos leilões, por entender que foi negado o direito de defesa dos moradores, pois estes sequer foram informados que ele estava sendo executado.
Além disso, a advogada considera que as famílias têm direito à Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia, um certificado de posse semelhante ao usucapião, que garante a permanência em terra pública de quem nela vive há pelo menos cinco anos.
O governo paulista pode recorrer da decisão liminar e terá cinco dias para apresentar defesa quanto ao mérito da questão.
A assistente administrativa Elisete Lopes dos Santos, moradora há 27 anos de uma das áreas a ser leiloadas, falou por telefone, emocionada com a decisão. “É uma grande vitória. Estou muito feliz. Temos uma batalha ainda. Mas não tenho palavras para dizer o que estou sentindo. Foi a melhor notícia que tivemos nesses últimos 15 dias”, exclamou.
Mais cedo, o secretário estadual de Planejamento e Desenvolvimento Regional, Júlio Semeghini, sinalizou a possibilidade de rever a proposta de leiloar terras públicas onde moram cerca de 400 famílias, sem o consentimento delas, no entorno da avenida Jornalista Roberto Marinho, na zona sul da capital paulista. O secretário recebeu hoje uma comissão de dez moradores no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, e se comprometeu a apresentar uma resposta sobre as reivindicações — extinção dos leilões e o reconhecimento do direito à moradia das famílias residentes — amanhã (12), às 16h30.
Segundo Elisete, o secretário recebeu os documentos e arquivos de fotos que comprovam o tempo de residência dos moradores e vai analisar a situação. “Foi um processo muito pesado. Muita gente estava chorando na reunião quando apresentamos o material que comprova os muitos anos que vivemos nestas terras”, disse. Elisete está esperançosa. “Acredito que vamos ter uma resposta positiva, porque seria muita injustiça fazer isso conosco”, afirmou.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) pretende leiloar cerca de 700 áreas públicas em várias regiões do estado paulista para capitalizar a Companhia Paulista de Parcerias, empresa de capital misto que estabelece contratos para construção e operação de equipamentos e serviços públicos por empresas privadas. As datas dos leilões e as áreas oferecidas estão relacionadas na página da Secretaria Estadual de Planejamento.
As áreas onde vivem as 400 famílias se estendem da avenida Washington Luís até a Marginal Pinheiros. Elas pertencem ao Departamento de Estradas e Rodagem (DER) e estão ocupadas há cerca de 40 anos. Os terrenos foram desapropriados nos anos 1970, com objetivo de construir um anel viário na região, muito antes da concepção da avenida Águas Espraiadas, hoje Jornalista Roberto Marinho. No entanto, o processo não foi levado adiante e as áreas acabaram ocupadas por centenas de famílias em meados dos anos 1970 e início dos anos 1980.