São Paulo — Parte do aumento da verba destinada às Organizações Sociais de Saúde (OSS) pela prefeitura de São Paulo foi retirada de duas áreas em que a população da cidade sofre com a falta de estrutura e atendimento: saúde mental e realização de diagnósticos. Privilegiando projetos usados como bandeiras pela gestão Kassab e pela campanha de José Serra (PSDB) à prefeitura, conforme denunciado na última segunda-feira (24) pela Rede Brasil Atual, a atual administração transferiu, apenas no dia 20 de setembro deste ano, R$ 105 milhões das duas áreas para diversas atividades, sendo que mais de R$ 86 milhões foram repassados para suplementar verbas de OSS, ou seja, para fortalecer o atendimento oferecido pelo setor privado.
De acordo com o Diário Oficial do Município de 21 de setembro de 2012, através do Decreto 53.433 a prefeitura realizou um remanejamento de verbas de R$ 107.455.376,33. Entre as ações que receberam maior quantidade de verba estão a operação e a manutenção de atendimento hospitalar, pronto-socorro e pronto atendimento por meio de organizações sociais, com R$ 44.685.659,98, acumulando aumento de mais de R$ 128 milhões neste ano, ou 33% de aumento; e a implantação e manutenção de AMAs, que recebeu mais R$ 36.743.873,90, indo a R$ 408.287.881,90 acumulados no ano, cerca de 31% de aumento.
Em termos proporcionais, a operação e a manutenção do programa Mãe Paulistana teve o maior aumento de recursos, sendo o último de R$ 4.857.470,04. Com isso, esta ação, frequentemente evocada pela campanha de Serra no rádio e na televisão, vai de um orçamento inicial de R$ 22.400.000,00 para R$ 45.447.470,04, um aumento de mais de 100%.
Apesar de a operação e a manutenção para atendimento ambulatorial, odontológico e serviços auxiliares de diagnóstico e terapia serem os realizados por meio das Organizações Sociais, esse setor sofreu um corte de R$ 158.500.984,00 sobre os R$ 785.918.779,00 orçados inicialmente, contando agora com R$ 627.417.795,00. Os serviços odontológicos são raros nas Unidades Básicas de Saúde e as chamadas AMA-Sorriso, unidades especializadas em saúde bucal, nem sequer saíram do papel.
Contra-reforma manicomial
Para a militante Maria Clara*, de um movimento que reivindica melhoria na qualidade da saúde pública, está havendo um retrocesso no atendimento de saúde mental em São Paulo, com precarização dos serviços e retorno da lógica dos manicômios. “O atendimento está ruim e o sistema, sucateado. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps), que promovem a humanização do atendimento, centrando as ações na pessoa e nas suas especificidades, estão sendo abandonados. Isso vem ocorrendo desde o estabelecimento das OSS. Querem criar grandes centros de atendimento generalizado e colocar foco sobre a medicalização, como eram os manicômios”, diz.
De acordo com o site da Secretaria Municipal de Saúde, São Paulo tem hoje 77 Caps em funcionamento, sendo 23 deles infantis. Maria* afirma que o número é insuficiente para o atendimento à população e cita um estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de maio deste ano indicando que 30% das pessoas que vivem na região metropolitana da capital têm algum tipo de transtorno mental e vão precisar de atendimento em algum momento da vida.
O presidente do Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo, Rogério Giannini, acredita que essa precarização é parte de uma lógica privatizante e, também, manicomial. “Percebo dois movimentos: não efetivar a rede de Caps e direcionar o dinheiro para o setor privado. Os Caps propõem um atendimento individualizado e por isso existe o interesse em sucateá-lo. A lógica manicomial é muito mais lucrativa, pois as internações são longas, os medicamentos são de alto custo, e nós sabemos que o mundo privado se orienta pelo lucro”, diz.
Giannini afirma que nas gestões de José Serra e Gilberto Kassab muito pouco foi feito para efetivar o sistema de atendimento à saúde mental. “Houve uma enorme resistência em desconstruir a rede manicomial em São Paulo, para estruturar os Caps e outros serviços da rede de saúde mental. Então essa má qualidade no atendimento é produzida com o sentido de precarizar. Daí a rede de saúde acaba não funcionando e você inventa um novo serviço que será administrado por uma OSS”, conclui.
Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde – mais uma vez – não se manifestou sobre os questionamentos da reportagem.
* Nome fictício para preservar a identidade da entrevistada, que teme reprimendas