Vigas rachadas, material de má qualidade, pressão sobre o prazo de entrega da obra antes das eleições presidenciais (2010) levaram a uma tragédia
No início de novembro uma tragédia provocada por uma obra descuidada do Governo de São Paulo completa três anos. Entre os dias 10 e 13 de novembro de 2009 recebi a denúncia de que no domingo, dia 8 uma viga das obras do Rodoanel estaria rachando como se fosse feita de areia, em Embu das Artes. Acondicionadas em carretas, algumas vigas estavam em fase de deslocamento rumo ao vão do viaduto do trecho Sul do Rodoanel sobre a Rodovia Régis Bittencourt, a BR-116. Fui informado de que os caminhões com as vigas estariam estacionados na Avenida Hélio Ossamu Daikuara, no Jardim Vista Alegre, perto do local onde seriam colocadas.
Dirigi-me ao local na noite do dia 10 de novembro, onde constatei duas enormes vigas, com mais de 30 metros de extensão e 85 toneladas cada, ambas com rachaduras evidentes bem no meio das estruturas. Procurei o escritório da Dersa, junto ao canteiro de obras para obter mais esclarecimentos, porém funcionários disseram não estar autorizados a falar sobre as obras com a imprensa, e que eu deveria procurar o escritório da empresa em São Paulo. Tentei sem sucesso obter mais informações. Apenas soube que uma das vigas rachou ao ser transportada no domingo anterior (8 de novembro), mas que o acidente era ‘normal’ e que outras vigas seriam colocadas em substituição.
Porém, após problemas em duas das dez vigas (cinco por viaduto, segundo fui informado) que dariam sustentação ao vão livre que cobriria a BR-116, a Dersa não desacelerou as obras, nem verificou as condições das demais peças, que já estavam sendo colocadas por meio de guindastes sobre a rodovia federal que corta Embu das Artes bem em sua entrada principal.
As vigas colocadas sobre a pista estavam soltas. Pude constatar in loco, além de fotografar o local entre os dias 10 e 13 de novembro. Na tarde do dia 13 cheguei a falar com motoristas que trafegavam sob as vigas, na altura do Km 278 da BR-116. Todos foram unânimes em afirmar que estavam temerosos de passar diariamente por baixo daquela obra. Vejam na sequência abaixo (galeria de fotos) todo o material que produzi para a Folha de Embu (jornal local) antes e depois do acidente.
Tragédia anunciada
Depois de constatar as irregularidades, além de falhas na sinalização e uma placa onde havia uma ‘Contagem Regressiva’ para a obra, que ‘coincidentemente’ chegaria a seu ‘Dia Zero’ justamente no final do prazo para o governador José Serra (PSDB) ser candidato a presidente (e o foi!), veio a terrível noite de sexta-feira, 13 de novembro de 2009.
Por volta das 21h, com um trânsito incrivelmente tranquilo na BR-116, três das cinco vigas instaladas em um dos viadutos do Rodoanel simplesmente desabaram sobre a pista da BR-116, esmagando três veículos, dois carros e um caminhão basculante. Pouca coisa sobrou dos veículos retorcidos, mas milagrosamente os três motoristas (cada veículo transportava apenas o próprio motorista, sem passageiros) saíram quase ilesos, apenas com fraturas leves.
O trânsito ficou quase 24 horas bloqueado, causando um gigantesco engarrafamento na rodovia federal que liga São Paulo ao Sul do País e países do Mercosul. Por volta das 23h06 o governador José Serra, acompanhado do engenheiro Paulo Vieira de Souza, conhecido como Paulo Preto, encarregado da obra do Rodoanel, visitaram o local do acidente. Serra foi reticente com as perguntas dos jornalistas, limitando-se a afirmar que era necessário um laudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para apurar o que realmente aconteceu.
Somente no dia 27 de dezembro daquele ano o IPT emitiu um laudo afirmando que teria havido falhas no travamento das vigas sobre a pista, e com o tombamento de uma delas sobre as outras, as três caíram sobre a pista. A quarta viga ficou pendurada no viaduto, e a quinta, rachada, nem foi aproveitada. O que o IPT não falou foi sobre a qualidade do material. Se uma viga rachou o chão, antes de ser colocada, não seria pelo menos suspeito, que outras três tenham desabado dias depois sobre a pista?
Esta e outras perguntas sobre as falhas na obra jamais foram respondidas a contento. O Trecho Sul do Rodoanel ficou pronto meses depois, e a inauguração acabou ocorrendo somente após Serra deixar o governo de São Paulo para candidatar-se à presidência, quando perdeu as eleições para Dilma Rousseff do PT. A obra acabou tendo um custo de R$ 5 bilhões, muito acima do previsto inicialmente.
No dia 19 de novembro, uma semana após a tragédia, uma comissão de deputados da Assembleia Legislativa visitou o local do acidente com as vigas, entre eles Adriano Diogo e Rui Falcão, ambos do PT, e reforçaram depois o pedido da criação de uma CPI do Rodoanel, que acabou barrada pela bancada governista na Assembleia. Representantes do CREA também estiveram no local do acidente e constataram que a colocação de apenas quatro vigas (a quinta era a que rachou antes de ser colocada) pode ter concorrido para o colapso das demais.
Pichações
No local do acidente, uma série de pichações com protestos contra o governo de São Paulo e o próprio governador Serra relacionaram a tragédia à aceleração da obra. Numa delas aparecia a inscrição: “Encurtaram a obra de 48 meses para 38 meses para eleger Serra Presidente”; em outra: “Baratear custos pode custar vidas. Mais respeito!”, e ainda: “Tonelada (sic) de corrupto!”, e “Fora Serra”, entre outras.
Meses depois, durante a campanha eleitoral, José Serra negou conhecer Paulo Vieira (da Dersa), acusado de arrecadar R$ 4 milhões para sua campanha à presidência junto a empreiteiras. Ao ser confrontado com fotos onde aparece junto com Vieira, conhecido como Paulo Preto, Serra recuou e admitiu conhecer o polêmico engenheiro encarregado da obra do Rodoanel.
A imagem de bom administrador que José Serra construiu ao longo de sua carreira política choca-se com o acidente do Rodoanel, bem como de outro ainda mais grave, o do Metrô de São Paulo, na linha 4, cuja estação Pinheiros em construção em 2007 causou a morte de 7 pessoas e um prejuízo material incalculável. Duas obras aceleradas por exigência do Governador, antes prefeito, e que depois tentaria a Presidência, e agora quer novamente a prefeitura da cidade.
(Márcio Amêndola, para o Fato Expresso)
Veja imagens do acidente:
(Fotos e comentários – Márcio Amêndola)
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