Professor da USP acredita que vitórias do ex-ministro e de Dilma reiteram caráter ‘genial’ de Lula e aponta que PT soube se valer de cansaço com propostas do PSDB, que ficou ‘sem ideias’
O pensador vê uma vontade de renovação por parte do eleitorado, sintetizada em Haddad (Foto: Paulo Pinto. Campanha Haddad)
São Paulo – O professor de Ética e Filosofia Política da USP Renato Janine Ribeiro avalia que o prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad, desponta como o quadro mais promissor do PT. Mesmo um dia após a vitória e faltando mais de dois meses para assumir o mandato, o principiante nas urnas representa, na visão do acadêmico, uma mudança de gerações dentro do partido criado há 30 anos. Janine Ribeiro entende que os governadores Tarso Genro (Rio Grande do Sul) e Jaques Wagner (Bahia), além de pertencer a um outro momento da política, não parecem reunir condições para voos mais altos.
Com a segunda vitória seguida de um quadro nunca antes testado nas urnas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstra seu lado “genial” na visão do professor, que acrescenta que Haddad terá de readequar parte de seu discurso para exercer a vida política na prática.
Confira a seguir trechos da entrevista concedida à RBA.
Há possibilidade de Haddad ter uma carreira política para além da prefeitura?
É possível. Veja o seguinte: Dilma é a terceira pessoa praticamente da mesma geração a exercer a presidência da República. Fernando Henrique nasceu em 1930. Ela e o Lula estão na mesma faixa de idade. Todos entraram na política na mesma época. Se ela for reeleita, o Brasil terá por 24 anos seguidos pessoas do mesmo grupo geracional na presidência. Isso dificulta as pretensões que poderiam haver dentro do PT por parte do Tarso Genro, do Jaques Wagner, que têm idades próximas à de Dilma e Lula. Em algum momento, o bastão terá de ser passado para uma geração mais nova. O mesmo problema a gente vê no PSDB, que está com o nome que sempre ocupa espaço, o de Serra, também dessa geração. Então, um grande problema hoje é a falta de renovação em faixa etária. Aparentemente, o PSDB vai com Aécio, o PSB está nutrindo o Eduardo Campos. E no PT, Fernando Haddad. Lula tentou viabilizar outros nomes, como Marcio Pochmann. Se ele tivesse vencido em Campinas, seria um nome também para se pensar para voos mais altos. Mas por enquanto ele tem de digerir uma derrota.
Agora, acho que esse é um problema de todos os partidos; nenhum deveria ter apenas um nome para concorrer porque isso dificulta qualquer relação, lidar com qualquer imprevisto, fazer acordos etc. Os principais governadores do PT são Jaques Wagner e Tarso, que são de outra geração. São pessoas que se revelaram no PT muito antes de o PT chegar à Presidência da República. O PT está precisando de gente mais nova.
O eleitor tem exigido gerações mais novas no comando do cenário político?
Não sei se tem exigido, mas acho que em um certo momento é natural uma renovação, não só de idade. O Fernando Haddad surge como técnico. É filiado ao PT, segue uma pauta do PT e, inclusive, politicamente, era da extrema-esquerda. Era ligado ao pessoal que foi para o PSOL, a chamada “turma da pizza”, que todo domingo à noite se reunia com Paulo Arantes e mais alguns outros para criticar o neoliberalismo. O Haddad foi para a secretaria da Marta e depois para a secretaria-executiva do Ministério de Planejamento no mesmo momento em que essas pessoas se desligaram do PT para formar o PSOL. O caminho inicial do Haddad parece ser esse caminho mais radical. No governo, a primeira medida importante dele foi o ProUni, que foi uma medida violentamente criticada pela esquerda. Então, você tem uma pessoa cuja gestão vai ser muito diferente de como foi a atuação dela previamente a isso, quando o trabalho dele não era ligado ao governo. Há uma mudança. À medida que foi assumindo cargos em prefeituras, mas sobretudo no governo federal, teve de pensar mais nos resultados das ações. Não podia ficar só no plano dos princípios. Haddad é o primeiro nome a se destacar numa geração que, na prática, mais vai lidar com dossiês do que propriamente fazer um trabalho de princípios ou ideais apenas.
O senhor disse que, no trabalho, Haddad vai se distanciar um pouco de suas ideias. Isso é bom ou ruim?
Isso é natural. O problema é que o PT nunca avaliou isso. Essa é a coisa que acho mais grave no PT. Uma vez o Fernando Henrique foi no Roda Viva e criticou severamente o PT. Na semana seguinte o programa convidou o Ricardo Berzoini, que era presidente do PT. Me pediram para gravar uma pergunta. Eu perguntei: bom, o que o PT ganhou em termos de experiência e o que renunciou em termos de ideais? Ele não deu uma resposta convincente e acho que não deu justamente porque o PT não fez esse balanço pra valer. O PT ganhou experiência, e com isso conseguiu governar o Brasil melhor do que se fosse aplicar uma pauta exclusivamente do partido, que aliás, jamais teria conseguido o poder sem alianças.
Sem amenizar o discurso…
Por outro lado, o PT renunciou a muita coisa. O mensalão é a melhor prova disso. Então, nesse caso, fazer um balanço, discutir publicamente o que a gente avançou, o que a gente cedeu, o que a gente renunciou, quais foram os ganhos e quais foram as perdas, essa é uma coisa muito difícil. E o próprio uso político do mensalão pela imprensa e pela oposição se dá um tanto nesse vazio de discussão. O PT nunca abriu claramente o jogo. Olha, fazer uma aliança significa uma série de coisas, inclusive ruins. Como isso não foi discutido clara e abertamente, há uma falha. Então não é à toa que é um assunto ainda muito delicado. O próprio Tarso publicou um artigo em que defende o Supremo, não exatamente a decisão do Supremo, mas o Supremo. Há uma certa discussão sobre isso dentro do PT, mas é muito fraca. E na própria esquerda a discussão sobre, vamos dizer, ganhos práticos de atuação versus denúncias é uma discussão pouco feita.
E o potencial de Haddad, que é um técnico?
É um técnico político. Primeiro ele foi político, depois foi ser técnico. Quando ele entra no governo como um técnico, reformula os ideais políticos dele. Não para o mal, não estou dizendo que tenha piorado.
E essa é uma característica dessa possível nova geração de políticos?
É uma característica possível. Veja o Pochmann: também é um intelectual, um pesquisador, que vai ser político. É também uma experiência de levar alguém da sua área de expertise e levar para a política. Não é a mesma direção. Lula foi ao contrário. Ele foi um político que foi aprendendo a governar.
O que é mais benéfico para a população: transformar técnico em político ou político em técnico, que aprende a governar?
Eu não iria tão longe.Digo só que é uma mudança. Nós temos já 10 anos de governo federal do PT e as pessoas já aprenderam muita coisa. Primeiro que ele já tinha mais quadros do que haveria de ter se ganhasse a eleição contra Fernando Collor, em 1989, quando o PT era muito fraco em termos de quadros. Mas essas pessoas foram aprendendo a governar e conseguiram, com isso, gerar novos conhecimentos e novas capacidades. Até 2000, praticamente, a maioria das pessoas que sabiam mexer com a máquina do governo era de direita, quando muito de centro. Hoje, você tem uma possibilidade perfeita de um partido de centro-esquerda, como o PT, exercer o poder tendo quadros que entendem da máquina. E isso é muito importante. Isso torna viável um governo de centro-esquerda no Brasil.
Em São Paulo, a eleição de Haddad representa uma vontade de mudança dos eleitores, um esgotamento em relação ao governo anterior?
Não concordo com a ideia de que São Paulo é uma cidade conservadora, que foi muito divulgada pela esquerda, pelo PT, enquanto não via chance de ganhar a prefeitura. São Paulo elegeu agora seu terceiro prefeito petista e teve oito anos de Maluf entre a primeira e a segunda, e oito anos de Serra e Kassab. Mas de qualquer forma o fato é que as pessoas estão sentindo que na sua vida cotidiana, naquilo que depende do município e mesmo do estado, não há melhora. Ao contrário, só pioras. Eles querem a solução para todos esses problemas na saúde, na educação, no transporte, no trânsito, na segurança. São as propostas de Haddad. Quer dizer, não vamos dizer que a pessoa foi eleita por causa das propostas, mas ele conseguiu tocar numa veia que chama a atenção da população, uma certa fadiga do material tucano. Acho que aí tem espaço para ele fazer as coisas.
Nesse contexto, há alguma semelhança entre a eleição de Dilma e a de Haddad?
Muita, muita, muita. Isso pode ser entendido de duas maneiras. A primeira é: Lula realmente é um homem genial, de uma intuição fortíssima. Apostou em candidatos absolutamente inesperados. Tanto que Marta relutou o máximo que pode para entrar na campanha e ontem disse que Lula tinha acertado em tudo. Então, é um lado genial do Lula e é um lado totalmente assustador nisso. Isso indica que 30 anos depois de fundado, o Partido dos Trabalhadores depende essencialmente do seu líder carismático. Continuando isso, o partido jamais vai ser adulto, ou seja, escolher quem quer e aprender com os próprios erros. Então, a presença de Lula dentro do partido é que trouxe o sucesso presidencial e pode trazer sucesso na prefeitura de São Paulo. Esses sucessos são muito importantes. Isso pode voltar a acontecer em 2014, na eleição para o governo de São Paulo porque os candidatos óbvios são Marta e Mercadante, que sempre atingem um mesmo teto de votos.
Por outro lado, não podemos esquecer que Serra atropelou todas as instituições dentro do partido dele. Serra concorreu no último momento, atropelando prévias e tudo o mais, antes do que Lula fez, de maneira mais doce. Quer dizer, ambos acham que o caminho pode ser modificado de cima para baixo.
O fato de Serra ter sido candidato do PSDB pode ter pesado negativamente nestas eleições?
Provavelmente. O que eu vi nas discussões é que as pessoas que eram contra o Haddad eram contra o PT. As pessoas contra o Serra eram contra o próprio Serra mesmo. Então, se o PSDB paulista tivesse deixado surgir mais nomes, com certeza estaria em melhores condições. E esse é um problema do PSDB de São Paulo. Você pega Andrea Matarazzo, por exemplo, que quis ser candidato do PSDB. Ele é uma pessoa totalmente desprovida de carisma, de liderança pública, política. Claro, poderia crescer, poderia criar como Haddad criou, mas não houve investimento para isso. O Serra conseguiu, além disso, gerar uma antipatia muito grande por si próprio, principalmente no trato aos jornalistas. Isso é algo inaceitável.
Há perda de uma oposição mais forte, crítica e atuante?
Oposição mesmo, que seria o PSDB, está sem ideias. O PSDB tem este problema grave. Pior do que ter perdido as eleições em São Paulo é não ter um projeto para o país. O PT definiu em 2002 um projeto novo, que é de inclusão social, que até então era um projeto secundário. E Fernando Henrique não era contra isso, ao contrário. Mas na época de FHC a estabilidade monetária, a redefinição da economia pelas privatizações, eram mais importantes que a inclusão social. E desde 2002 é impossível excluir a inclusão social. Todos têm de propor. Nas campanhas eleitorais, Serra espera propor o dobro do que o PT está propondo. Como no Bolsa família, que ele criticava, e o bilhete único mensal. Então fica a impressão de que vale tudo nas campanhas eleitorais.
O empreendedorismo poderia ser uma grande questão para o PSDB, poderia ser uma questão de apostar no jovem ou na pessoa que vê a possibilidade de ter uma pequena empresa, que quer um ambiente mais favorável à iniciativa dele, que seja mais fácil criar uma empresa. O PSDB deixou a própria questão do empreendedorismo para o governo. Não é o PT que assumiu, é o governo que assumiu, via Sebrae. E o PSDB não atua nessa faixa. Então, eles estão muito frágeis nacionalmente falando.
Por: Sarah Fernandes, da Rede Brasil Atual