Advogado diz que publicitário mineiro passou ao MP informações sobre políticos ligados ao PSDB e que mídia faz ‘vazamentos seletivos’
Rio de Janeiro – A retomada hoje (7) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do julgamento da Ação Penal 470, que trata do caso do mensalão, ocorre em um momento em que as movimentações em torno do réu Marcos Valério trazem novamente à tona alguns questionamentos à condução do processo. Seja pelos critérios jurídicos pouco usuais adotados pelos julgadores, seja pela condução política que os setores conservadores da sociedade, amplificados pela grande mídia, tentam impor ao STF e à Procuradoria Geral da República, o julgamento do mensalão, antes mesmo da definição das penas que serão imputadas aos condenados, reforça seu aspecto de episódio único na história política – e jurídica – brasileira.
Ministros chegam ao STF para retomada do julgamento da Ação Penal 470 (Foto: José Cruz/ABr)
Depois de inovar ao desprezar o chamado “ato de ofício” para configurar o crime de corrupção e resgatar o pouco utilizado princípio do “domínio do fato” para condenar réus sem provas materiais, o STF voltou a agir de forma pouco usual na definição da dosimetria (tamanho) da pena de Valério. No lugar do conceito da “continuidade delitiva”, pelo qual se toma como base a pena do crime mais grave cometido pelo réu e depois se calcula um percentual de acréscimo, os ministros optaram por simplesmente somar as penas em concurso material.
Esse método possibilitou a pesada condenação de Valério, muito bem explorada pela mídia: 40 anos, seis meses e um dia. Contando com o susto que essa pena, que garante ao condenado sete anos de regime fechado, certamente causou no publicitário mineiro, os “condutores” do processo do mensalão na mídia e no Congresso Nacional passaram automaticamente a trabalhar com a possibilidade de que algum tipo de delação feita por Valério venha a trazer outros personagens para dentro do julgamento. O principal alvo é mais uma vez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Um pedido feito em setembro pela defesa de Valério para que o réu seja encarado como colaborador do processo do mensalão e possa ter sua pena reduzida foi a deixa para que setores da mídia já antecipassem “bombas” como a possível participação de Lula e do ex-ministro Antonio Palocci no suposto esquema de recebimento de recursos ilegais ou a compra de uma “testemunha” do assassinato do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, há dez anos. As revelações, não comprovadas, teriam sido feitas por Valério em depoimento ao procurador-geral da República, Roberto Gurgel, que não confirma oficialmente a conversa. A incansável revista Veja e o jornal Estado de SP, entretanto, têm publicado supostos detalhes do depoimento de Valério à PGR.
Marcelo Leonardo, advogado de Valério, confirma que seu cliente passou muitas informações ao Ministério Público, mas garante não ser responsável por aquilo que classificou como “vazamentos seletivos e parciais” feitos pela imprensa sobre os depoimentos do publicitário mineiro. A seleção dos vazamentos a qual Leonardo se refere faz alusão ao fato de que as informações passadas ao MP por Valério sobre o mensalão mineiro, ou mensalão do PSDB, jamais foram vazadas à grande imprensa. Ou, se foram vazadas, jamais foram publicadas.
Dois pesos, duas medidas
Uma carta de Marcelo Leonardo publicada no blog do jornalista Luis Nassif dá a noção da utilização de dois pesos e duas medidas pela mídia conservadora: “Quanto ao chamado ‘mensalão mineiro’, o andamento do caso está em fase bem mais adiantada do que se imagina. A etapa das investigações já foi concluída, e nela Marcos Valério forneceu todas as informações, inclusive os nomes dos políticos ligados ao PSDB (deputados e ex-deputados) que receberam, em contas bancárias pessoais, recursos financeiros para custear as despesas do segundo turno da tentativa de reeleição do então governador Eduardo Azeredo, em 1998, tendo entregue as cópias dos depósitos bancários realizados”.
Outro trecho da carta do advogado revela que a utilização pela mídia de critérios distintos no tratamento de dois casos semelhantes que envolvem o PT e o PSDB é compartilhada pelo Judiciário: “É importante saber que o ex-procurador geral da República, Dr. Antônio Fernando, ao oferecer denúncia no caso chamado de ‘mensalão mineiro’ contra Eduardo Azeredo (hoje deputado federal), Clésio Andrade (hoje Senador) e outras 14 pessoas, deixou de propor ação penal contra os deputados e ex-deputados que receberam os valores, porque entendeu, expressamente, que o fato seria apenas crime eleitoral (artigo 350 do Código Eleitoral ou ‘caixa dois de campanha’), que já estava prescrito. Este entendimento não foi adotado no oferecimento da denúncia e no julgamento da Ação Penal 470”, diz o documento.
Outros processos
Antes da retomada do julgamento do mensalão, tanto Roberto Gurgel quanto o relator do processo no STF, ministro Joaquim Barbosa, deram a entender que não aceitarão a sugestão de abrandar a pena de Valério na Ação Penal 470. Ambos consideram que sua colaboração serviria apenas para tumultuar o julgamento que já se aproxima de seu final.
Em entrevista ao site G1, o procurador geral afirmou que Valério poderia se valer da delação premiada somente nos processos que ainda não transitaram em julgado: “Haverá a possibilidade [de delação premiada], e isso será examinado em relação a outros processos que tramitam na Justiça Federal”, disse. Pela interpretação de Gurgel, ainda há tempo para que eventuais novas revelações a serem feitas por Valério sejam levadas em consideração no julgamento do mensalão mineiro.
No começo da sessão de hoje no STF, o ministro Marco Aurélio Mello anunciou sua intenção de, ao final da definição da dosimetria das penas para todos os condenados no processo do mensalão, pedir que o método de cálculo utilizado seja reconsiderado: “É preciso levar em conta a problemática da continuidade delitiva e a problemática da agravante. Saber ser observada a agravante alusiva à liderança. Até para que não se tenha o que está estarrecendo o mundo acadêmico: alguém condenado a 40 anos”, disse.
Por: Maurício Thuswohl, da Rede Brasil Atual