Com Obama no plenário, presidenta relata ao mundo ilegalidade do monitoramento norte-americano sobre cidadãos, empresas e governos do Brasil e propõe multilateralismo na rede
por Redação RBA
São Paulo – A presidenta Dilma Rousseff abriu hoje (24) a 68ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, com um duro discurso contra a espionagem massiva sobre empresas, governos e cidadãos do mundo promovida pelas agências de inteligência norte-americanas. E, como esperado, anunciou que o Brasil defenderá nos fóruns internacionais uma ampla reforma da governança global da internet, atualmente concentrada nos Estados Unidos.
Dilma iniciou seu discurso lamentando os atentados terroristas ocorridos no Quênia durante o final de semana, e rapidamente passou para o tema da espionagem. Relatou aos chefes de governo e Estado membros das Nações Unidas que “recentes revelações” indicam que dados pessoais de cidadãos e informações empresariais de “alto valor econômico e estratégico” estiveram na mira do monitoramento norte-americano.
As revelações foram possibilitadas por documentos ultrassecretos da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos vazados pelo técnico de informática Edward Snowden ao repórter do jornal britânico The Guardian, Glenn Greenwald, que vive no Rio de Janeiro.
“Também missões diplomáticas brasileiras, como a representação permanente do Brasil na ONU, e até mesmo a Presidência do Brasil, tiveram suas comunicações interceptadas”, lembrou Dilma, baseando-se nas reportagens recentemente publicadas pelo Fantástico, da TV Globo.
“Imiscuir-se assim na vida de outros países é ferir o direito internacional e a boa convivência das nações. Jamais pode uma soberania firmar-se em detrimento de outra soberania. Jamais podem os direitos dos cidadãos de um país ser garantidos pela violação dos direitos dos cidadão de outros países. Pior quando as empresas privadas de telecomunicações estão envolvidas.”
Terrorismo?
A presidenta prosseguiu repudiando o argumento norte-americano de que todos os monitoramentos realizados por seus órgãos de inteligência têm como objetivo proteger o mundo da ameaça terrorista.
“O Brasil sabe se proteger”, rebateu, sem citar que os documentos vazados por Edward Snowden apontam que a NSA bisbilhotou comunicações também da Petrobras.
“Combatemos, reprimimos e não temos grupos terroristas em nosso território. Vivemos em paz com nossos vizinhos há mais de 140 anos. Como vários latino-americanos, lutei contra a censura, e não posso deixar de defender o direito à privacidade das pessoas. Sem ele, não há direito à liberdade e à liberdade de expressão. E não há democracia.”
Dilma revelou à Assembleia Geral da ONU que pediu explicações aos Estados Unidos sobre as denúncias, tanto pelos canais diplomáticos, como diretamente ao presidente Barack Obama no encontro reservado que tiveram durante a Cúpula do G20 em São Petersburgo, na Rússia. O país requisitou ainda que Washington pedisse desculpas públicas pela espionagem e oferecesse garantias de que o monitoramento não se repetiria. Obama prometeu que se engajaria pessoalmente na questão. Porém, uma semana depois, prazo estabelecido pelo próprio presidente norte-americano para atender os pleitos do Brasil, nada aconteceu.
“Governos e sociedades amigas, como é nosso caso, não podem permitir que ações ilegais recorrentes tenham curso como se fossem normais”, considerou Dilma, anunciando as medidas a serem tomadas pelo país, uma vez que a questão vai além das relações entre Brasília e Washington.
“O Brasil redobrará os esforços para dotar-se de legislação, tecnologia e mecanismos que nos protejam da intercepção ilegal de dados. Meu governo fará o que estiver ao seu alcance para proteger o direito de seus cidadãos. O problema, porém, transcende o relacionamento bilateral. Afeta a comunidade internacional e dela exige resposta.”
Princípios
A presidenta defendeu que as tecnologias de informação não podem ser um novo campo de batalha entre as nações do mundo, como já começa a ocorrer.
“Temos que evitar que o espaço cibernético seja instrumentalizado como espaço de guerra”, propôs, afirmando que a ONU deve desempenhar uma posição de liderança para regular o papel dos Estados na internet. Assim, poderá garantir que essa tecnologia seja utilizada para a construção da democracia. “O Brasil apresentará propostas para estabelecimento de um marco civil multilateral para governança da internet.”
De acordo com Dilma, a governança multilateral da rede deve obedecer cinco princípios: 1) liberdade de expressão, respeito à privacidade e aos direitos humanos; 2) governança democrática, multilateral, aberta, transparente e com participação coletiva; 3) universalidade, desenvolvimento social e humano e construção de sociedades inclusivas; 4) diversidade cultural; e 5) neutralidade da rede.
“O aproveitamento do pleno potencial da internet passa por uma regulação responsável que garanta liberdade de expressão, segurança e respeito aos direitos humanos”, concluiu.