Ex-futebolistas que jogaram em 1958, 1962 e 1970 terão benefício especial na aposentadoria
São Paulo – Na manhã desta quinta-feira (20), o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, e o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, assinaram uma portaria interministerial, que concede auxílio especial aos titulares e reservas das seleções brasileiras campeãs das Copas do Mundo dos anos de 1958, 1962 e 1970. Eles receberão um complemento, a partir de janeiro do ano que vem, que lhes assegurará o teto da aposentadoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), além de um prêmio especial de R$ 100 mil.
O benefício havia sido prometido pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e foi inserido na Lei Geral da Copa, que foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em junho e define as regras da realização do mundial que ocorrerá no Brasil em 2014.
Para Garibaldi, trata-se de um ato de justiça. “Quem nos deu as alegrias que eles nos deram, merece muito mais do que estamos fazendo hoje e do que o presidente Lula idealizou. Ele tinha razão, eles mereciam uma aposentadoria digna, mas a previdência tem que pensar no seu aspecto doutrinário e na sua sustentabilidade e por isso estamos atendendo a convocação e dando a César o que é de César”, afirmou ele na cerimônia de hoje.
Rebelo, no evento, disse que uma dívida está sendo paga. “Creio que o povo brasileiro reconhece essa dívida para com esses atletas, alguns vivendo com dificuldade e outros, infelizmente, já falecidos, mas o benefício alcançará àqueles que necessitam dele e a suas famílias. É bom ressaltar que o futebol na época não oferecia salário, patrocínios, como hoje, os atletas eram quase como artesãos e o país não pode conceber que aqueles que elevaram o nome do país passem por dificuldades”.
De fato, diferentemente dos futebolistas de hoje em dia, nem todos os que jogaram pela Seleção Brasileira nesses torneios tiveram uma situação confortável após o fim de suas carreiras. O atual volume de recursos aplicados pelas empresas no esporte, em forma de publicidade, praticamente inexistia na época. E a remuneração dos futebolistas dependia de seus clubes e do salário pago pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no período em que jogavam
“Era muito diferente naquela época. Não tinha essa publicidade. A gente só conseguia viver bem”, contou José Macia (77), o Pepe, bicampeão mundial, à RBA. Com 405 gols marcados em 750 partidas, ele foi um dos maiores artilheiros do Santos, perdendo só para Pelé. É considerado também dos maiores ponta-esquerda da história do futebol brasileiro e foi um exímio cobrador de faltas. Pepe seria titular das seleções de 1958 e 1962, mas pouco antes de ambos eventos, sofreu lesões, sendo legado ao banco e substituído por Zagallo. Jogou no Santos até 1969 e na Seleção até 1965.
Desde então, como treinador, passou pelo próprio Santos, pelo Atlético Mineiro, pelo Ponte Petra, entre outros no Brasil, treinou times também em Portugal, Japão e Quatar e a Seleção Peruana. “Vivo bem em um apartamento aqui em Santos, mas nem todos os meus colegas daquela época tiveram a mesma sorte que eu. Muitos deles estão com problemas sérios de saúde. O Gilmar (goleiro bicampeão também) teve um AVC. Até o Clodoaldo tem que trabalhar bastante para viver bem. Minha aposentadoria mesmo não dá o teto. Esse benefício vai ajudar. E já havia sido prometido há um tempo, mas parece que agora vai sair, e fico com a sensação de que estamos sendo reconhecidos pelo nosso trabalho. E é bom receber esse prêmio antes de morrermos, afinal fomos campeões há muitos anos”, comentou Pepe.
Clodoaldo Tavares de Santana (63) é um dos mais conhecidos corretores de imóveis de Santos, mas ele já foi um grande volante também do clube da cidade e marcou um gol contra o Uruguai na Copa do Mundo de 1970, quando fez parte da Seleção. Assim como Pepe, não recebeu qualquer convite para a cerimônia de hoje, nem tinha ciência até então do que ganhará exatamente . “Estive com o ministro Aldo Rebelo esse final de semana em um uma homenagem que me fizeram aqui em Santos, e ele me disse que o benefício já está encaminhando. Tem jogadores de futebol que não têm aposentadoria. Quando a gente jogava, o recolhimento dos jogadores do INSS mudava muito. Não sei muito bem o que vai acontecer, mas de qualquer modo, tenho minha aposentadoria, por conta do esporte e pela profissão que executo na área imobiliária”, disse.
Ele contou que, mesmo durante sua carreira no Santos, já trabalhava no setor imobiliário. “ Comecei a trabalhar com 11 anos de idade, e mesmo jogando, já gostava do ramo imobiliário. Adquiri um bom conhecimento na área de construção civil e , depois que parei de jogar, segui por esse caminho mesmo. E foi ótimo”, contou. Ele concorda que o benefício ajudará muitos ex-jogadores. “Mesmo a pessoa que ganhou pouco dinheiro teve uma estabilidade à época. Mas é um gesto bacana, de homenagem também”.
O jornalista esportivo e pesquisador da história do futebol Celso Unzelte contou que, de fato, esses ex-futebolistas não ganhavam mal, mas acredita que o benefício da aposentadoria vai ajudar a maioria das equipes. “Por serem campeões do mundo, jogadores de Seleção, já eram privilegiados em relação à classe. Ainda assim, embora ganhassem bons salários para a média dos trabalhadores brasileiros, nem em sonho ganhavam o que ganham os jogadores de futebol hoje. A gente pensa logo nos titulares, mas os campeões são 22 em cada Seleção. E tem muita gente ali que está em dificuldade atualmente, e, para essas pessoas, vai ser muito importante”, comentou. Sobre qual era os salários desses jogadores, comparando com valores atuais , ele respondeu: “É muito difícil fazer esse tipo de comparação, mas você pode considerar que, com o que eles ganhavam na época, dava para comprar casa ou apartamento a prazo. Não era que nem hoje. E os interesses também eram outros. Eram pessoas mais simples, com interesses mais restritos”.
No ano passado, houve uma polêmica entre os ex-jogadores Carlos Alberto Torres e Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, ambos campeões mundiais em 1970, respectivamente, como lateral-direito e meia. À imprensa, Tostão se opôs ao benefício, afirmando que dinheiro público não deveria ser gasto dessa forma. “É um demagogo, pode escrever aí. O Tostão não precisa ficar falando. Ele teve mais sorte que os outros, é médico. Mas tem gente que não foi preparada”, disse Carlos Alberto, referindo-se a Tostão, em reportagem do portal UOL do ano passado. Em resposta, Tostão disse: “Demagógica? Não sou bilionário. Só entendo que o governo não pode pegar dinheiro e distribuir assim. E os campeões de outros esportes, as outras classes? Um artista que elevou o nome do Brasil também poderia pedir esse benefício”.
Para Unzelte, o benefício é “o mínimo que podemos fazer para essas pessoas”. Não se trata de um gasto excessivo de dinheiro público. “Eles entraram pra história, são pessoas notórias. É claro que se colocarmos em um ambiente mais macro, vai se perguntar realmente porque beneficiarmos jogadores de futebol e porque não atletas de outros esportes, mas aí também a gente entra em um ciclo vicioso e não vai chegar a conclusão alguma. Não é nenhuma mordomia, nem nada de outro mundo. Está se garantindo um teto do INSS. Aqueles que estiverem bem, se quiserem abrir mão do prêmio, podem doar”.
Ele afirma que o reconhecimento a esses jogadores só está ocorrendo por conta da Copa do Mundo de 2014. “Esse é o momento em que o futebol vai ficar mais em evidência. Esse tipo de coisa, espontaneamente, não iria pra frente. Esse pessoal ganhou esses títulos há décadas, e só agora essa bola está sendo levantada. Tem de se aproveitar esse momento especial, que é a Copa do Mundo no Brasil, para fazer justiça, ainda que tardia”.
Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Previdência Social, só indígenas agricultores e pescadores artesanais têm aposentadoria especial semelhante a essa. O dinheiro para o benefício na aposentadoria sairá do Tesouro Nacional e será administrado pelo INSS, mas o prêmio, que está isento do pagamento do Imposto de Renda, será garantido pelo ministério do Esporte, como prevê a Lei Geral da Copa, mas ainda não se sabe quando ele será pago.
O ministério do Esporte terá de fazer um levantamento da relação dos ex-jogadores até dia 31 de dezembro, apontando quantos receberão o benefício e o prêmio e quais famílias receberão no lugar dos falecidos, algo determinado também pela lei. Esposas ou companheiras e filhos menores de 21 anos ou inválidos de ex-jogadores que já morreram receberão o benefício da aposentadoria.
Por: Estevan Muniz, da Rede Brasil Atual
O ministério do Esporte terá de fazer um levantamento da relação dos ex-jogadores até dia 31 de dezembro, apontando quantos receberão o benefício e o prêmio e quais famílias receberão no lugar dos falecidos, algo determinado também pela lei. Esposas ou companheiras e filhos menores de 21 anos ou inválidos de ex-jogadores que já morreram receberão o benefício da aposentadoria.