Nesta quarta-feira, 10, o ministro Edson Fachin votou por manter a validade os efeitos da portaria 69/19, que instaurou o “inquérito das fake news” com o objetivo de apurar notícias falsas, denunciações caluniosas, ofensas e ameaças a ministros do STF.
Com o voto, o relator declarou a constitucionalidade da referida portaria, enquanto constitucional o art. 43 do RISTF, desde que tenha sua interpretação conforme à Constituição, a fim de que no limite de uma peça informativa, o procedimento:
Limite o objeto do inquérito a manifestações que, denotando risco efetivo a independência do poder Judiciário pela via da ameaça aos ministros do STF e aos seus familiares, atentam contra a Democracia;
Observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.
O julgamento terá continuidade na próxima quarta-feira, 17, às 9h30.
Entenda o caso
Em 14 de março de 2019, o ministro Dias Toffoli determinou a abertura de inquérito para investigar a existência de fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e familiares.
A Rede Sustentabilidade alegou que não há indicação de ato praticado na sede ou dependência do STF ou quem serão os investigados e se estão sujeitos à jurisdição do STF. Aduziu que, salvo raríssimas exceções, não compete ao Poder Judiciário conduzir investigações criminais. Neste ano, no entanto, o partido pediu a desistência da ação, alegando ter havido alteração fático-jurídica dos fatos. O relator, ministro Edson Fachin, indeferiu o pleito de desistência.
Relator
Na sessão de hoje, apenas o relator Edson Fachin votou. O ministro conheceu da ADPF, propôs a conversão do julgamento da liminar para julgamento de mérito, e, por fim, julgou o pedido improcedente.
O ministro explicou que a ação não pretende a declaração de inconstitucionalidade do art. 43 do RISTF, mas, sim, da portaria que instaurou o inquérito. O disposito sob discussão assim dispõe:
“Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.
§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.”
Em alongado voto, o ministro falou da importância da liberdade de expressão e de imprensa para uma democracia. No entanto, também dissertou acerca dos limites de tais liberdades quando o caso em questão versa sobre o discurso de ódio, apoio à ditadura, fechamento do Congresso e do STF.
O relator afirmou que atentar contra um dos poderes – incitando o seu fechamento, incitando a morte, incitando a prisão de seus membros – não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão. “Não há direito no abuso de direito”, disse.
“São inadmissíveis no Estado de Direito democrático a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso Nacional ou a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique, precisa que enfrentará a Justiça Constitucional do seu país. Quem quer que os pratique, precisa saber que este Supremo Tirbunal Federal não os tolerará.”
O ministro Fachin citou uma série de jurisprudências e de outros julgados que limitam o direito à liberdade de expressão, quando as informações são falsas e dolosamente propagadas. O relator citou, por exemplo, a fala de Oliver Wendell Holmes, Jr., juiz da Suprema Corte dos EUA, em 1919, o qual disse: “A proteção mais rigorosa da liberdade de expressão não protegeria um homem falsamente gritar fogo em um teatro e causando pânico”.
No ponto da natureza do inquérito, Fachin afirmou que a defesa institucional pelo poder Judiciário, previsto no regimento interno do STF, tem cabimento restrito às hipóteses de inércia do MP e da polícia. Fachin afirmou que não há exclusividade da polícia judiciária na instauração do inquérito. Ele explicou que se estabelece uma competência investigatória atípica que não é, e nem deve ser, usual ao STF.
De acordo com Edson Fachin, o objeto do inquérito deve se limitar a manifestações que denotam “risco efetivo” à independência do poder Judiciário, pela via da ameaça aos seus membros.
Assim, julgou o pedido improcedente, declarando a constitucionalidade da portaria GP 69/19, enquanto constitucional o art. 43 do RISTF, nas específicas e próprias circunstâncias de fato exclusivamente envolvidas, desde que tenha sua interpretação conforme à Constituição, a fim de que no limite de uma peça informativa, o procedimento: (i) seja acompanhado pelo MP; (ii) seja observada a SV 14; (iii) limite o objeto do inquérito a manifestações que denotando risco efetivo a independência do poder Judiciário pela via da ameaça aos ministros do STF e aos seus familiares atentam contra a Democracia; (iv) observe a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, excluindo do escopo do inquérito matérias jornalísticas e postagens, compartilhamentos ou outras manifestações, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais.
Sustentações orais
O advogado Felipe Martins Pinto, representando o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, admitido como amicus curiae, afirmou que inexiste uma justa causa para este inquérito, e que este foi instaurado sem delimitação de tempo, de fatos e de indicação de autores: “é uma janela escancarada para um horizente impreciso e inseguro”, afirmou. Para ele, o caso compromete a imparcialidade do julgador. Assim, se manifestou pelo acolhimento do pedido, no sentido da suspensão do inquérito.
Representando o amicus curiae PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, o advogado Luiz Gustavo Pereira da Cunha, afirmou que o poder de polícia do STF é totalmente ilegal e inconstitucional, por violar o sistema acusatório brasileiro e o preceito constitucional da separação dos poderes. O causídico afirmou que a “fake news” não está tipificado como crime e, também por isso, seria ilegal a instauração do inquérito. Ao frisar que o inquérito seria ad eternum, o advogado se manifestou pela suspensão da portaria.
O amicus curiae CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, pelo seu advogado Aristides Alvarenga, citou a lei anticrime na parte em que diz “o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição”. Ressaltando a importância do MP na condução de investigações para a democracia, o advogado defendeu a remessa do inquérito para o MP.
O AGU José Levi defendeu a não criminalização da liberdade de expressão ou da liberdade de imprensa na internet. Para ele, na dúvida entre a liberdade de expressão e uma possível fake news, deve ser assegurado a liberdade de expressão. Ao ressaltar que não há um tipo geral para fake news, o AGU se manifestou pela regularidade da portaria.
O PGR Augusto Aras se manifestou no sentido de que o STF confira interpretação conforme a Constituição ao art. 43 do RISTF, com a consequente adoção das medidas de conformação desse inquérito ao sistema constitucional acusatório. Segundo o PGR, a cada fake news lançada está em jogo a instituição STF, bem como todas as instituições do Estado. “Concordamos com o inquérito, porque queremos ter o direito de participar do inquérito”, afirmou.
Questão de ordem
O advogado Felipe Martins Pinto, representando o Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil, admitido como amicus curiae, propôs questão de ordem antes de sua sustentação. O causídico suscitou o impedimento de ministro para julgar o feito.
O ministro Dias Toffoli, no entanto, não conheceu da questão de ordem, pois não é papel de amigo da Corte fazê-lo. Além disso, afirmou que não foi apresentada petição a respeito deste julgamento em relação ao ministro Luiz Fux.
*Migalhas.com